Um clássico é um clássico

Poucos são os filmes que atravessam 80 anos e chegam inteiros depois. Poucos os que vemos, anos e anos a fio, e continuam irretocáveis. Casablanca, que completou oito décadas no último 26 de novembro, é um desses casos. Um filme que não se esgota: sabemos suas frases de cor, os desenlaces, as despedidas, o tão celebrado encerramento.

Vi Casablanca pela primeira vez ainda nos anos 1990. Nunca mais saiu da minha lista de filmes favoritos. Sempre quando quero assistir a um exemplo perfeito de união entre roteiro, direção, elenco, volto a essa história passada na Segunda Guerra Mundial, no Marrocos. Vivemos ali muitos dias e noites, no bar do Rick, local em que todos se encontram – em que alguns desesperados desejam um salvo-conduto para fugir para a América e onde militares desfilam seus poderes e até fazem duelar, aos berros, seus hinos.

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Rick é o protagonista vivido por Humphrey Bogart, o dono do bar, o mais influente nome da cidade. Todos recorrem a ele e todos, inclusive os militares, franceses ou alemães, sabem que estar perto dele significa muito coisa – para o bem ou para o mal. Impossível pensar em outro ator para o papel de Rick: em suas frases ácidas, seu porte seguro, Bogart parte como anti-herói desiludido para encontrar, ao fim, sua redenção e salvar o mundo.

Afinal, seu grande amor, Ilsa Lund (Ingrid Bergman), passa por Casablanca acompanha de um líder da resistência anti-nazista, Victor Laszlo (Paul Henreid). Como todos que passam por aquela cidade-chave, ela vai ao bar de Rick e reencontra ali seu pianista antes de reencontrar seu grande amor. “Toque, Sam, toque ‘As Time Goes By’.”

Rick depara-se com ela, com seu marido, com uma trama que envolve o tal do salvo-conduto que está em seu poder, escondido no piano de Sam (Dooley Wilson). E ainda tem de lidar com um amigo – mas nem tanto – do lado da polícia francesa (Claude Rains) e do vilão nazista (Conrad Veidt) que quer pôr as mãos em Laszlo. Rick vive um dilema: ficar com a amada ou deixá-la ir embora com seu companheiro e permitir que o casal continue sua luta.

Nos tempos da Segunda Guerra, quando americanos usavam o cinema como arma de propaganda, Casablanca deveria ter sido apenas mais uma entre tantas outras produções da Warner a dar uma inflada na moral dos combatentes. A América de Rick, à qual todos querem fugir, é a terra de esperanças; o clímax dá-se em um aeroporto, com o herói tendo de resolver as coisas à sua maneira enquanto o vilão tenta impedir que o avião deixe o local.

O diretor Michael Curtiz nunca foi considerado um grande autor, ou seja, dono de uma assinatura visível. Dirigia de tudo e fazia tudo muito bem: filme de gângster, capa e espada, faroeste, musical. Casablanca veio depois de A Canção da Vitória e, alguns anos depois, o cineasta ainda faria outra pérola do cinema clássico, Alma em Suplício.

Quase tudo já foi dito e escrito sobre Casablanca. O jornalista Renzo Mora escreveu um livro inteiro sobre o filme de Curtiz. Outros craques como Ruy Castro também já discorreram à exaustão sobre esse clássico ao qual voltamos para constatar o quanto o cinema americano foi grande mesmo em uma época na qual nem todo filme podia se tornar um evento. Ou se eternizar. Será que, daqui a 80 anos, estaremos falando com o mesmo entusiasmo de produtos medianos e premiados como No Ritmo do Coração e Belfast?

Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 1º de dezembro de 2022.

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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