Slasher: do manjado ao inesperado

O sucesso de X – A Marca da Morte nada teve de inesperado. O filme de Ti West reúne algumas das características comuns ao subgênero slasher e que o público adora: um grupo de pessoas em local isolado e psicopatas perigosos. Como manda a regra, as vítimas são liberais, aventureiras, jovens – à contramão da América profunda e punitiva personificada nos assassinos vingadores. Em X, as vítimas realizam um filme pornográfico.

O clima remete-nos a O Massacre da Serra Elétrica. Como no cultuado filme de Tobe Hooper, uma trupe pega a estrada e termina em uma fazenda distante. A geração anos 1970, época em que X é ambientado, encontra o pior do ser humano enquanto a televisão transmite cultos evangélicos e xerifes mal-encarados buscam respostas ao rastro de sangue.

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Tudo é manjado. A estética é propositalmente suja. As meninas oferecem-se aos rapazes e sonham em fazer sucesso em Hollywood. O desejo é exalado de corpos mecânicos, já que West é incapaz de lhes dar vida ou emoção. Restam os cortes da carne, as mortes em sequência, além de ataques de um jacaré que vive em uma lagoa próxima – o animal de estimação dos assassinos, a abocanhar a carne humana servida de bandeja.

Se o caminho de West era o da fórmula pronta e se, com tal fórmula, não podia fazer nascer algo grandioso como Banho de Sangue (pelo simples fato de não ter o talento do mestre Mario Bava), ao menos, com seu X, conseguiu parir algo superior e até inesperado: Pérola, sua prequela, filme ainda inédito no Brasil.

A atriz Mia Goth assume duplo papel: ela é uma das meninas perseguidas e, coberta por maquiagem, a velha assassina em X; e de novo a assassina, em sua versão jovem, em Pérola. A sacada de West foi mudar o tempo e as formas: o tom escuro e desleixado de X dá lugar a cores fortes, a movimentos de câmera bem executados e a um falso paraíso perdido – entre milharais a perder de vista e antigos cinemas de rua – em Pérola.

Dos anos 1970 somos lançados aos anos 1910, ao fim da Primeira Guerra Mundial e ao clima de medo gerado pela Gripe Espanhola. West teve a ideia de escrever a prequela quando estava em quarentena de duas semanas, trancado em um hotel, durante a realização de X. Ele perguntou a Goth (neta da atriz brasileira Maria Gladys e uma das roteiristas de Pérola) se aceitaria ficar mais algumas semanas na Nova Zelândia para fazer outro filme, o que foi aceito de pronto pela atriz de face expressiva, entre riso e desespero.

Mesmo imperfeito, Pérola tem sequências interessantes, algumas acima da média. Em uma delas, a protagonista faz um teste para ingressar em uma trupe de dançarinas. Seu sonho, como o de Maxine, é ser famosa. Ela dança no palco – embalada por seus delírios – junto de meninas de capacete e maquiagem de palhaço. Ao fundo, fogos de artifício dividem espaço com bombas que explodem em trincheiras. Vemos um pouco do interior e da ilusão da personagem, um pouco dessa época na qual o cinema em seus primórdios já servia de fuga possível à realidade insuportável, em um século que estava só começando.

Ao longo desses dois filmes é difícil driblar as referências. Na decrépita que caça os jovens encontrei a mulher putrefata de O Iluminado. Na casa afastada com porão e segredos escondidos, Psicose. Na menina perturbada e perseguida pela mãe, igualmente perturbada, Carrie, a Estranha. Certamente não para por aí.

Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 10 de novembro de 2022.

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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