Em entrevista a Peter Bogdanovich, Howard Hawks relembrou seu trabalho em Sargento York e a presença de um roteirista chamado John Huston, que, graças a seu empurrão, depois seria levado à função de diretor. A estreia não poderia ser melhor.
Você gostou do filme O Falcão Maltês?
Era eu quem iria realizá-lo. Quando Johnny Huston terminou de escrever Sergeant York, recomendei à Warner que o transformasse em diretor. Warner mandou chamá-lo, Huston veio e perguntou: “O que devo escrever?”. Eu respondi: “Não escreva nada, Johnny – não para o seu primeiro filme -, você já vai ter muito trabalho só para dirigir. Eles têm uma história que eu estava pensando em fazer. Faça-a você – The Maltese Falcon”. “Bem”, disse ele, “muito obrigado.” Mas depois ele voltou e disse: “O filme já foi feito duas vezes”. E eu respondi: “Não, nunca foi feito. Alguém imaginou que conseguiria escrever tão bem ou melhor do que Hammett e, com isso, alterou a história. Faça do jeito que ele escreveu”. Foi o que ele fez. No ano seguinte, Huston concorreu ao Oscar. Hammett e Chandler eram tão superiores àquele estilo, que até hoje sobressaem. Bastava fazer um trabalho decente que o filme saía bom. Eles sabiam escrever! Os diálogos de Chandler são, de certo modo, tão bons quanto os de Hecht e de MacArthur, embora mais limitados. Na verdade, ele escreveu apenas sobre Marlowe, mas era extraordinariamente bom.
Na mesma entrevista, pouco antes, Hawks falou sobre a realização de Sargento York – que lhe rendeu sua única indicação ao Oscar – e da participação de Huston no roteiro.
Como foi que aconteceu Sargento York?
A Warners me passou o roteiro dizendo que, se eu não o fizesse, o transformariam num filme “B”. Procurei Jesse Lasky, que era o responsável pela produção, pedi-lhe que desligasse o seu telefone e me dissesse por que tinha comprado a história. Ele me contou a história, que era formidável, então eu lhe disse: “Acho que posso conseguir Gary Cooper e fazer o filme com ele”. Na época, Cooper era uma grande estrela. Fui para casa, procurei-o pelo telefone e lhe perguntei: “Não foi Lasky quem lhe deu o seu primeiro trabalho?”. “Sim”, disse ele. E eu retruquei: “Bem, foi ele quem me deu o meu primeiro trabalho, e agora ele precisa de ajuda”. Cooper disse: “Vou até aí”, e veio. Ele me disse: “Mostre-me essa arma nova que você comprou”. Ele não desejava falar sobre o filme, e eu lhe disse: “Preste atenção, Cooper, temos de conversar sobre o filme”. “Bem, você quer conversar sobre o quê? Você sabe que vai fazer o filme, não sabe?” Então eu disse: “Ok, venha comigo até o estúdio e sempre que eu disser ‘não é verdade, sr. Cooper?’ responda ‘sim’”. Fomos até lá e conversamos com os executivos da Warners. “Faremos o filme se vocês não interferirem. Não é verdade, sr. Cooper?” “Sim”, ele disse. “Mas se vocês começarem a nos atrapalhar terá de haver uma multa, não é verdade, sr. Cooper?” “Sim.” E eu disse: “Vamos ter de mudar a história. Precisamos de outro roteirista. Não é verdade, sr. Cooper?”. E ele: “Sim”. E conseguimos tudo isso.
Quatro roteiristas foram creditados. Quem foi que trabalhou de verdade?
Quem fez tudo foi John Huston. Ele permaneceu somente três ou quatro dias à minha frente enquanto escrevia as cenas. Já tínhamos percorrido cerca de um terço do caminho quando encontrei Jack Warner e lhe perguntei: “O que você está achando do nosso filme?”. E ele respondeu: “Tenho estado tão ocupado que não estou acompanhando”. Então disse a ele: “Bem, vamos nos sentar aqui até que você vá até a sala de projeções e assista ao filme”. Ele foi, e quando voltou disse: “Isso é a melhor coisa que eu já vi”.
Esse não foi também o filme mais caro que você já realizou?
Acho que sim. Tínhamos 78 cenários. Sabe o que isso significaria num filme feito hoje? Eu lhes dizia para construir os cenários a partir de esboços que lhes dava, eles só precisavam construir as partes de que eu ia precisar. Se eu tivesse de realizar um close ou reverter algo, eles tinham apenas de fazer um pequeno fundo, permitindo-me filmar no dia seguinte. Tudo foi especialmente duro, porque construímos sets ao ar livre e, naquele ano, a Califórnia sofreu com chuvas espantosas e muitas vezes ficamos impedidos de usá-los. A caça à raposa teve de ser filmada em estúdio fechado. Lembro-me de que a raposa fugiu e se escondeu sob o palco; os cães corriam até o lugar em que ela estava escondida e paravam no meio da sequência de caça. Cooper teve de arar o solo em ambiente fechado. A Warners tinha os maiores palcos da indústria do cinema. Eles construíram uma colina rotatória que girávamos para realizar diferentes tomadas.
A entrevista de Hawks a Bogdanovich está em Afinal, Quem Faz os Filmes? (Companhia das Letras; pg. 395 e pgs. 375 e 376). Acima, Humphrey Bogart em O Falcão Maltês; abaixo, Huston e os atores Peter Lorre, Mary Astor e Bogart nas filmagens de O Falcão Maltês; e Gary Cooper em Sargento York.
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