Alguns cineastas foram fundamentais, nos anos 40 e 50, para colocar o cinema americano de cabeça para baixo. Na terra do Tio Sam, as mudanças demoraram mais para ocorrer, talvez por força do sistema de estúdios. No entanto, diferentes cineastas já apostavam em novas abordagens estéticas e temáticas. Abaixo, dez filmes resumem os novos ares do cinema americano da época, com gêneros e propostas distintas.
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Cidadão Kane, de Orson Welles
Tomar a história de William Randolph Hearst e dar forma a Charles Foster Kane é apenas o relevo. Por muitos motivos, Cidadão Kane ainda é o maior filme da história do cinema americano e talvez mundial. A utilização da profundidade de campo, a narrativa não linear, o constante contra-plongée, a resolução de diferentes situações em um mesmo quadro (ressaltada por André Bazin, citando a decupagem de Welles), entre outras características, explicam tamanha ruptura. Tudo para mostrar que uma vida não cabe em uma palavra: Rosebud.
Sangue de Pantera, de Jacques Tourneur
Martin Scorsese chegou a declarar que o filme de Tourneur é tão importante quanto Cidadão Kane. Pode parecer exagero, mas aqui o cinema fantástico para vender pipoca deixa espaço ao psicologismo, com controle exemplar do suspense. É sobre uma mulher sem poder sobre si mesma, sobre seus instintos, e que se transforma em pantera. Marcaram época as parcerias do produtor Val Lewton com Tourneur.
Tramas do Entardecer, de Maya Deren
Filme surrealista de 1943, com estrutura rara ao cinema americano da época. É a história de uma mulher que retorna para casa, dorme e vive situações que podem ser sonhos ou não. Aparentemente sem sentido, a obra se apoia nesse mergulho à personagem e oferece uma experiência perturbadora e ainda poderosa.
Amarga Esperança, de Nicholas Ray
Muito antes de Bonnie & Clyde, outro casal havia levado às telas o drama de jovens em fuga. Tem início em tom realista, com bandidos que fogem da prisão. Um deles, o protagonista, recebe os cuidados de uma garota após se envolver em acidente. Tem início a relação de ambos. Um dos renovadores do cinema americano, Ray mostra agilidade na direção. O encerramento inclui o olhar enigmático de Cathy O’Donnell.
Matei Jesse James, de Samuel Fuller
Em seu primeiro filme, Fuller subverte a história de Jesse James ao apontar à dúbia relação entre ele e seu algoz, Robert Ford. Há, por exemplo, a sequência em que Fuller enquadra as costas de Jesse – pelo ponto de vista de Ford – enquanto a personagem toma banho, momento em que pede a arma ao companheiro. Para completar, Ford viverá à sombra da tragédia: nos palcos, ele terá de reencenar o crime e, de quebra, Fuller mostra o fascínio americano pelo espetáculo.
Mortalmente Perigosa, de Joseph H. Lewis
Outra obra sobre amantes em fuga, saída perfeita para Lewis (autor, mais tarde, do extraordinário Império do Crime) evidenciar o fascínio de seu país pelas armas. Na trama, um rapaz bom com o gatilho apaixona-se por uma bela garota, atriz de circo, e acaba tragado ao mundo do crime. A sequência mais famosa inclui um plano-sequência de alguns minutos, com a câmera no interior do veículo do casal e o momento do assalto a banco, como também sua fuga – ponto alto do cinema americano da época.
O Pequeno Fugitivo, de Ray Ashley, Morris Engel e Ruth Orkin
François Truffaut declarava-se apaixonado por esse filme realista, no qual a infância é vista distante dos contornos comuns ao cinema clássico. Aqui, um garoto vaga sozinho, à beira mar, e faz contato com adultos – enquanto seu irmão deseja encontrá-lo. A infância é vista pela infância, sem interferência do protagonista mais velho, sem julgamentos, com liberdade e realismo, crua, ainda assim bela demais.
Sindicato de Ladrões, de Elia Kazan
O protagonista não é o típico herói em busca de vingança. Também não é o anti-herói estabelecido por Bogart em O Falcão Maltês, de Huston. Tampouco um vilão. Suas palavras sobre consciência ajudam a defini-lo, ao passo que o destroem por dentro e o levam ao sacrifício. O filme de Kazan – resposta às críticas sobre sua deleção ao Comitê de Atividades Antiamericanas, na Caça às Bruxas – é um retrato social poderoso, com imagens de outro cinema.
Sementes de Violência, de Richard Brooks
À frente, a possível amizade entre um professor branco e um aluno negro e problemático – mas um aluno cuja evidente diferença leva-o à mudança. À época, com Brando e James Dean no radar dos estúdios, Sidney Poitier era o perfeito contraponto ao astro Glenn Ford e aos rostos do passado. O filme de Brooks começa ao som de “Rock Around the Clock” – primeira vez que o rock aparecia nas telas do cinema, o que conferia seu clima de mudança.
Sombras, de John Cassavetes
Considerado pai do cinema independente americano, Cassavetes trabalhava como ator para financiar seus projetos pessoais. Como se vê em Sombras, sua primeira obra, a câmera (16mm) é intrusa, o clima é realista, sem retoques, e os atores seguem as ideias de Cassavetes sobre improvisação. Antes de os estúdios se renderem aos novos temas e plateias, na rabeira da revolução dos cinemas novos pelo mundo, Cassavetes já apontava ao novo caminho.
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