Babilônia, de Damien Chazelle

Não conto com informações precisas para afirmar que a dança de Margot Robbie sobre o balcão, em um set de filmagem, é fiel à maneira como dançavam as mulheres americanas nos anos 1920. Nem se elas e os cavalheiros dançavam como vemos na festa-orgia da primeira parte de Babilônia, de Damien Chazelle. Fiéis ou não, em alguma medida essas danças funcionam e impõem a energia que cortará o filme todo.

O exagero é aqui a regra, é inseparável do pacote. Eis um filme realizado por alguém aparentemente sob o efeito de drogas: a visão de um universo que talvez nunca tenha existido, e isso não importa. A visão de uma Hollywood feliz quando podia festejar o barulho de seus bastidores, equiparar a loucura de uma festa com anões sobre falos de borracha, convidados nus e elefantes a uma batalha épica filmada em película.

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Assim quer Chazelle em seu filme mais ousado, não o melhor de uma carreira ainda curta: a Hollywood em questão é a dele, sem se filiar completa ou parcialmente a fatos reais. Claro que o flerte com o real não deve ser descartado. Ninguém duvida que muitas das situações vistas aqui realmente aconteceram, que drogas e vômito jorravam sem economia.

Enquanto dança sobre o balcão, no set de filmagem, a agitada Nellie LaRoy (Robbie) faz os homens babarem. Eles não interpretam, ela tampouco. Vivem a excitação daquele tempo, fazem o que querem. Podiam ser expostos e ganhar um pouco para sobreviver – ou muito para conquistar uma boa casa com piscina e a certeza do próximo filme.

Babilônia aborda a Hollywood dos anos 1920, próxima dos sacolejos causados pelo cinema sonoro surgido em 1927 e adaptado aos estúdios em anos seguintes. O filme começa no fim da festa e “celebra”, na abertura, tanto a podridão quanto a alegria, tanto o espírito livre dos convidados da orgia quanto os acidentes, as drogas e a ressaca.

Durante a festa, da noite ao início da manhã, quatro personagens encontram-se ou se esbarram: Manny Torres (Diego Calva), um mexicano faz-tudo dos ricaços, rapaz bondoso que, ao ser eleito nosso guia, nunca se mescla por inteiro com a bagunça; Nellie, que quer um espaço em frente às câmeras; Jack Conrad (Brad Pitt), o astro boêmio que todos querem ao lado; e Sidney Palmer (Jovan Adepo), o trompetista negro.

Manny tem alma suficiente para enxergar as encrencas e ser uma peça de ordem entre as engrenagens da montanha-russa de Chazelle. Os outros são rascunhos, estereótipos, e servem para reforçar as excentricidades da vida dos ricaços, dos colunistas dispostos a colocar a última pá de terra sobre um túmulo e, no caso do trompetista, para revelar a situação de artistas negros que precisavam ficar “mais negros” para se chegar à “harmonia do quadro”.

Não é um filme para exigirmos personagens profundas. É sobre um local, um tempo, tudo turbinado pelo timing de um diretor que cansou de ser o esteta certinho da Hollywood de sonhos de La La Land, o realizador a reproduzir a exatidão da História em O Primeiro Homem. Isso ajuda a explicar porque a própria Hollywood e o americano médio repeliram Babilônia: é muito vômito e excremento para um filme de estrelas.

Quando chega um pouco de silêncio é porque o cinema aprendeu a falar: por paradoxal que pareça, e é, Chazelle leva-nos à ausência do barulho na era do som. Por consequência, é preciso se isolar cada vez mais nos estúdios e em seus cenários. O cinema das guerras reais, em espaços reais, cede espaço à aparência do rádio, com cabines e técnicos de som.

As estrelas do mudo morrem aos poucos, algumas mais rápido do que outras. Conrad torna-se coadjuvante, riem de suas falas. Nellie sequer sabe falar direito e não cabe – nunca caberá – nas festas dos ricaços dispostos a discutir a grande arte, não a do cinema, próxima da diversão de feira, do circo, com a interpretação enérgica dada no momento em que todos ainda podiam gritar nos bastidores – para resultar no filme sem um estalo sequer.

A passagem do barulho ao silêncio significa a chegada de uma ordem à qual gente como Nellie não podia se enquadrar. A Babilônia de Chazelle é, no fundo, a de pessoas comuns, operários desdentados e astros que, como Conrad, ainda buscavam um novo elemento ou significado para engrandecer a sétima das artes, derrotados pelas novidades.

(Babylon, Damien Chazelle, 2022)

Nota: ★★★☆☆

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

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