A Conquista do Oeste, de John Ford, Henry Hathaway e George Marshall

A única personagem que atravessa todas as épocas retratadas e chega ilesa ao fim é a Lilith Prescott de Debbie Reynolds. Em cada capítulo dessa história sobre os conflitos que seguem a conquista dos Estados Unidos, ela é diferente e insinua ser a mesma: antes, a filha cantora e recatada da família de imigrantes; depois, a dançarina e cantora de saloons; mais tarde, a senhora casada que penhora a riqueza para voltar ao ponto de partida.

Não é só o visual que impressiona em A Conquista do Oeste. Seu roteiro, dado a três diretores diferentes, com diferentes astros a compor uma história na qual praticamente todos são coadjuvantes, incluindo Reynolds, é tecido com calma, a dar lugar a um épico sobre gente simples a serviço de grandes estruturas – cachoeiras, montanhas, máquinas.

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES: Facebook e Telegram

Essas pessoas são tragadas à ação quase à força: o nascimento dos Estados Unidos, da imigração dos honestos ao triunfo dos exploradores das ferrovias, não ocorre sem derramamento de sangue. Antes de debandar para o mundo e começar a fazer apresentações de dança, antes de trajar roupas coloridas da cabeça aos pés e chutar beberrões gordos à beira dos palcos, Lilith assiste à morte do pai e da mãe, atacados por ladrões.

Sua irmã, Eve Prescott (Carroll Baker), apaixona-se por um caçador honesto interpretado por James Stewart. Ela, por um jogador que por algum tempo tem interesse apenas em uma mina de ouro que a moça herdou, vivido por Gregory Peck. A mina reduz-se a algumas rochas sem valor e o homem não demora a tomar outro rumo. Mais tarde, enquanto ela canta em um navio de apostadores e festas, eles reencontram-se e retomam os laços.

Um dos filhos de Eve, Zeb (George Peppard), decide lutar na Guerra Civil Americana a favor do Norte. É a entrada da direção de John Ford. Alinhado à regra dessa grande empreitada, o pequeno Zeb escora a História e ouve uma conversa franca entre os generais Ulysses S. Grant (Harry Morgan) e William Tecumseh Sherman (John Wayne). É uma noite à beira de um riacho contaminado pelo sangue, momento de passagem, quando o rapaz inocente tem de matar o inimigo.

Volta da guerra como homem. Descobre que a mãe morreu. Toma outro rumo, tem outro emprego. Aos poucos, em Peppard, vemos o peso do tempo: é quando Ford, após receber o bastão de Henry Hathaway, passa-o a George Marshall. Chegamos à ferrovia, ao “cavalo de ferro”, ao símbolo de outro filme de Ford, anterior, ainda no cinema mudo.

A força dessa nação em desenvolvimento e de suas pessoas não evita a crítica ao selvagem homem branco e sua forma de matar. A ferrovia não vem sem conflito. Para ela e aos homens armados até os dentes, no lombo da máquina, os índios oferecem a força da natureza: em uma das melhores sequências, o estouro da manada de búfalos.

Zeb sobrevive à paisagem de medo e destruição. Torna-se xerife, casa-se, tem filhos. Volta a cruzar as grandes rochas da terra de John Ford, o Monument Valley, e ainda tem de enfrentar um velho bandido que o segue – de novo no caminho da ferrovia. Com ele, a tia Lilith, agora uma senhora, e o fim de um ciclo como parte significativa da história de um país.

A Conquista do Oeste foi realizado em Cinerama, cujas experiências em película – com três projetores em ação ao mesmo tempo, três telas coladas para formar uma – já vinham arrastando multidões em cinemas adaptados a esse tipo de espetáculo, quase sempre com a apresentação de documentários. Anterior ao Cinemascope, o Cinerama demorou um pouco para ser levado a Hollywood.

Cineastas não se adaptaram muito bem à máquina de três rolos. Ford foi um dos que se queixaram. O Cinerama impunha uma filmagem sem closes e planos em detalhe. Há sempre distância das personagens e larga profundidade. Diferentes ações podem correr em uma mesma extensão de tela. Não raro temos a impressão de assistir a um universo deformado, oval, semelhante ao efeito obtido pelo uso excessivo da lente grande angular.

A ideia era apresentar uma tela gigante o suficiente para engolir o espectador. No Oeste, caubóis e índios assumem outra dimensão. O épico enche nossos olhos. A experiência é belíssima e acompanha um roteiro à altura. Nas imagens, um produto hollywoodiano que nasceu e morreu rápido demais, e que não cabe no nosso mundo atual.

(How the West Was Won, John Ford, Henry Hathaway, George Marshall, 1962)

Nota: ★★★★★

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também:
John Ford, por Serge Daney

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s