O cinema, segundo Orson Welles

Peter Bogdanovich: O que você diria a alguém que lhe perguntasse “o que ensinar a um grupo de pessoas interessadas em dirigir cinema?

Orson Welles: Ponha um espelho na frente da natureza – esta é a mensagem de Shakespeare ao ator. Não seria um conselho mais válido e mais verdadeiro ainda para o criador de um filme? Se você ignora certas coisas a respeito da natureza que seu espelho mira, como deve ser limitado seu trabalho! Quanto mais tributos o pessoal de cinema prestar a diretores e filmes, em detrimento da vida, tanto mais próximos estarão da última cena de A Dama de Shangai – uma série de espelhos refletindo-se mutuamente. Um filme é um reflexo de toda a cultura de quem o faz – sua educação, conhecimento humano, largueza de conhecimento – são essas coisas que informam um filme.

PB: Um diretor, então, cria seu próprio mundo…

OW: Claro, e até que ponto consegue fazê-lo depende da matéria-prima que tem em si mesmo. Aliás, o diretor de cinema precisa permanecer sendo sempre uma figura meio ambígua, porque há tanta coisa que foi originada com sua assinatura alhures, tantos bons momentos que são meros acidentes presididos por ele. Ou sorte. Ou graça.

PB: E a mecânica de se fazer um filme…

OW: …pode ser ensinada em um fim de semana a qualquer pessoa inteligente.

PB: Assim como Toland [Gregg Toland, diretor de fotografia de Cidadão Kane] ensinou a você a mecânica da câmera.

OW: Exato. O resto é o que você tem que levar para a máquina.

PB: O que você é…

OW: O ângulo no qual segura aquele espelho. No fim, o interessante não é a inclinação romântica nem o trejeito besta que você dá ao espelho – e sim o que o espelho mostra de volta.

Trecho retirado do livro de entrevistas Este é Orson Welles, de Peter Bogdanovich (Editora Globo; pg. 320; tradução: Beth Vieira). Acima, a cena da sala de espelhos de A Dama de Shangai; abaixo, Welles, sobre uma caixa, nas filmagens de Cidadão Kane.

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