O pai é um açougueiro embriagado que tenta parecer forte e não engana o filho, obrigado a assistir aos seus abusos. A mãe busca o afeto do filho que não corresponde, que não aceita o fato de a mulher não fazer nada contra os abusos do pai alcóolatra. É dessa junção que surge o nazista de Tormentos d’Alma, de Hubert Cornfield e Stanley Kramer.
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Nesse caso, nasce o rapaz suscetível à ideologia nefasta: homem que não aceita a fraqueza de suas raízes, que se vê como fruto da mesma. A alguém assim, a ideia de raça superior – para repelir o que ele próprio representa – serve à perfeição: o nazismo promete a força de um grupo popular para enfrentar as injustiças do mundo dos homens.
À frente do paciente que entrega toda sua história está o psiquiatra que ouve, que tenta entendê-lo. O nazista, homem branco, depara-se com o médico negro nos tempos da Segunda Guerra Mundial, quando parte do Ocidente era atingida pela ideologia pregada por Adolf Hitler. O homem negro tenta ser um médico o tempo todo, o que não é fácil.
Médico para compreender, para ver o outro como alguém doente. Difícil não sentir ódio, claro, com as colocações do nazista sobre negros e judeus. Assim o médico é testado e, perto do fim, coloca à mostra como se sucumbe às ações do mundo externo – ainda que em todo o filme sua personagem esteja presa às salas fechadas, à história do outro.
O roteiro de Cornfield e S. Lee Pogostin, da história de Robert M. Lindner, prende os diferentes na mesma sala; prende-os, sobretudo, às suas condições, às dificuldades de convivência entre opostos na maneira de pensar – à medida que ao médico cabe absorver e, ao outro, talvez, a possibilidade de revelar o que esconde sob a aparência forte.
Médico e paciente não têm nomes, o que leva a história ao campo aberto da representação: é sobre a descoberta de extremos a reboque da necessidade de ouvir, apenas ouvir, ato em que o representante dos perseguidos vê-se obrigado a analisar o representante dos perseguidores, em que não basta apenas encontrar a cura pontual.
O nazista tem problemas para dormir. Sonha com si mesmo em um buraco, em luta para escapar da escuridão ao escalá-lo. Mais tarde, seu pai surge na mesma situação. Cabe ao médico encontrar a chave por trás do sonho, o tormento por trás do homem, o que não significa “curá-lo”. Ele continuará um nazista.
Algumas passagens levam à infância, ao menino que assiste, impotente, aos abusos do pai; em momento esclarecedor, o pai prega-lhe um susto ao pressioná-lo contra um pedaço de carne. Não seria o nazismo ou qualquer forma de autoritarismo uma maneira de forjar a força em crianças impotentes, que cresceram sob a impossibilidade de amar os mais fracos, escondidas atrás de uma farda?
Quando criança, o paciente não conseguia responder aos gestos de afeto da mãe, tampouco se levantar às bravatas do pai beberrão. Mais tarde, passou a liderar os meninos da escola: atacava casas com pedras, o que continuaria fazendo depois, na vida adulta, quando precisava avançar aos comércios de judeus e outros considerados diferentes.
Como o paciente, Bobby Darin é fácil de odiar; como médico, Sidney Poitier é, como costuma ser, gigante: pode ouvir e ser justo sem deixar sua humanidade e contradições de lado, sem se limitar ao grupo que representa: é um teste à clemência.
O produtor Stanley Kramer, apesar de não aparecer nos créditos, é co-diretor. O filme é parte de um conjunto de obras da época que, com ou sem Kramer, carrega seu espírito transformador. Trabalho corajoso sobre prisões às quais os homens vêem-se alienados – o que cabe tanto ao paciente nazista quanto ao médico negro e sensato.
(Pressure Point, Hubert Cornfield, Stanley Kramer, 1962)
Nota: ★★★★☆
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