Como Chaplin teve a ideia de fazer O Grande Ditador

De novo a guerra andava no ar. Os nazistas, em marcha. Quão cedo havíamos esquecido a primeira conflagração mundial, com seus atormentadores quatro anos de matança. Quão cedo esquecêramos os confrangedores destroços humanos: os grandes mutilados metidos em cesta, como uns aleijões… e os sem braço, os sem perna, os sem vista, os sem queixo, as contorcidas vítimas de paralisia espasmódica. Nem os que não foram mortos ou feridos puderam escapar, pois a mente de muitos sofreu deformações. O minotauro da guerra devorou a juventude, poupando os velhos cínicos. Bem depressa, porém, isso tudo se apagou da nossa memória e eis a guerra novamente enfeitada em refrões populares, como este:

“Como será possível devolvê-los ao campo, 
Depois que viram Paris…”

Sob muitos aspectos a guerra não deixava de ser uma boa coisa – diziam alguns. Promovia o desenvolvimento industrial, o avanço das técnicas e o aumento dos empregos. Como pensar nos milhões dos que haviam sucumbido, quando se ganhavam milhões no jogo da Bolsa? No apogeu da valorização dos títulos, Arthur Brisbane do Hearst Examiner escrevia: “As ações da U.S. Steel vão dar um pulo para cima de quinhentos dólares”. Em vez disso, os especuladores é que saltaram pela janela dos arranha-céus.

E enquanto se fermentava uma nova guerra, ia eu tentando escrever um argumento cinematográfico para Paulette [Goddard, então esposa de Chaplin]; mas, não conseguia tocar a coisa para diante. Como absorver-me em caprichos femininos ou pensar em assuntos romanescos e problemas de amor quando a loucura estava sendo provocada por um horrível personagem grotesco, Adolf Hitler?

Em 1937, Alexander Korda sugeriu-me que fizesse uma história sobre Hitler, tendo por motivo um erro de identidade, já que tinha ele o mesmo bigodinho do meu vagabundo. Korda alvitrou que eu poderia representar os dois papéis. De momento não dei maior atenção à ideia, mas agora era bem oportuna e eu ansiava desesperadamente por voltar ao trabalho. De súbito irrompeu a inspiração. Claro! Como Hitler, poderia arengar às multidões numa algaravia ininteligível e falar assim quanto quisesse; como Carlitos, permaneceria mais ou menos calado. Um argumento sobre Hitler prestava-se ao burlesco e à pantomima. Cheio de entusiasmo, segui apressadamente para Hollywood e comecei a escrever um roteiro. A história só ficou pronta ao fim de dois anos.

Charles Chaplin, cineasta, em sua autobiografia Minha Vida (José Olympio Editora; p. 394-395). Acima e abaixo, imagens de O Grande Ditador.

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