O Incrível Homem que Encolheu, de Jack Arnold

O homem encolhe para se tornar menor que uma formiga, um cisco, uma célula. Ele não para de diminuir ao longo dessa jornada da qual sobra apenas sua voz e consciência. Mesmo pequeno demais, ele segue a narrar, tenta compreender seu lugar naquele mundo que cresce e ao qual precisa se adaptar. Ele precisa encolher para ver a si próprio.

Jack Arnold cria uma espécie de fábula da era atômica. À ideia de retorno, de esmagamento. O Incrível Homem que Encolheu apresenta alguém que vivia o aparente casamento perfeito, pronto para explorar o que o universo feito para ele – para suas dimensões, a de um homem comum, o belo clichê – poderia oferecer, não fosse seu problema.

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES: Facebook e Telegram

Scott Carey (Grant Williams) descansava com a mulher em uma lancha em mar aberto quando foi exposto a uma estranha névoa. Não sabemos qual a sua origem. Teria alguma relação com os testes de bombas realizados no meio do oceano? Tempos depois, Scott começa a perceber que está ficando menor. Suas roupas ficam largas.

A ciência busca respostas e até consegue, por algum tempo, retardar a diminuição. Scott está entregue ao incontrolável enquanto acredita ser o diferente, a aberração. Sem emprego, apela à mídia para ganhar dinheiro. É explorado. Assiste a uma apresentação de circo – com o homem muito alto, a mulher barbada, o anão – para compreender que o “diferente” está logo ali, a serviço do entretenimento, no espaço ao qual não pode servir. Scott não pode assumir o que está se tornando: alguém para outra dimensão.

Para sentir conforto, muda-se para uma casa de bonecas. Simula – dessa vez de forma escancarada – o sonho americano miniaturizado, feito às crianças que brincam com mansões. Antes, enquanto perdia tamanho, foi um adolescente; revoltado com a pequenez, fugiu de casa e flertou com uma moça, uma anã que encontrou em uma lanchonete.

A ficção científica dos anos 1950 leva-nos ao real por inversão: tudo é fantástico para ser assustador, tudo é absurdo para condizer com a época em que se vivia o medo da invasão externa ou da autodestruição. Da obra de Richard Matheson, com roteiro do próprio, O Incrível Homem que Encolheu leva seu herói a descobrir o outro em sua própria pele.

Ao diminuir, é vítima dos novos monstros que surgem pelo caminho: o gato, depois a aranha. Perde-se no porão de sua casa, agora convertido em reino esquecido, sujo, a ser desbravado e conquistado. O homem diminui para descobrir detalhes que não enxergava, ou com os quais não precisava se preocupar: os pedaços de vida sob seus sapatos.

A escada e o móvel de madeira tornam-se montanhas. O prego, a espada. A caixa de fósforos, a casa. O queijo, o alimento a ser conquistado, então sob o poder da aranha na teia. O homem precisa ser o guerreiro, como eram os homens do passado: à medida que perde tamanho ele volta no tempo, encontra-se com os primórdios de sua espécie.

Ao compreender que está preso a essa condição e não escapará, Scott escolhe olhar para o céu, para as estrelas. Busca o divino e, no monólogo interno que marca o encerramento da obra de Arnold, entende enfim o significado de sua “doença”: reduzido, ele volta ao estado inicial, à essência, à poeira de estrelas ou ao átomo que desencadeou tudo. Desaparecer para se descobrir. Ainda um ser humano ou um homem do futuro?

“Tão perto, o infinitesimal e o infinito”, ele reflete. Após batalhas e conquistas, gritos que não podem ser ouvidos pelos gigantes que continuam a viver como sempre viveram, resta encarar o que não pode ser apenas fruto do acidente. Scott descobre que existe e faz parte do cosmos que, ao olhar furtivo, parecerá um conglomerado de pingos que brilham, longe demais, em espaço escuro, pequenos mas facilmente perceptíveis.

(The Incredible Shrinking Man, Jack Arnold, 1957)

Nota: ★★★★☆

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também:
Vídeo: cinéfilos discutem filmes de ficção científica dos anos 1950

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s