O passar dos anos tornou o peso nos ombros de Max, o protagonista, quase insustentável. Ele precisou “carregar” alguns homens com ele, fazer favor a outros, iluminar o caminho de alguns que, diferente dele, insistiram na fraqueza. Max é o elo forte de Grisbi, Ouro Maldito, alguém que nos transmite confiança, dono de segurança e controle.
Entrega pouco desde o início. É fechado, insiste em não fazer o que os outros homens – qualquer um, a começar por seu parceiro Riton (René Dary) – querem fazer. Ele reconhece que seu tempo passou. Reconhece a velhice, a necessidade de dormir cedo – talvez por estar simplesmente cansado, talvez porque ainda pode farejar os problemas da noite.
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A história de Max é longa. O filme de Jacques Becker retira dela apenas alguns dias. O protagonista é um velho bandido com seus códigos próprios, nada a ver com os pequenos ratos que se vendem por pouco. No início, ele lê no jornal a matéria sobre o roubo de uma carga de ouro. À frente, descobrimos que o material está com ele.
Sua forma nada suspeita indica-nos, de cara, seu profissionalismo: ao olhar o jornal, sua face parece a do velho aposentado que imagina quem poderia ter feito aquilo, ou que ele mesmo, ao pensar em seu passado, poderia ter feito o mesmo quando mais jovem, e talvez realmente tenha feito algo semelhante, e agora talvez tenha sido superado.
Mas não é disso que se trata. A suposição ainda assim não se perde: para Becker, a forma calejada de seu protagonista deve nos instigar a isso mesmo, a fazer de seus poucos dias uma indagação sobre seu passado, com tudo o que a personagem acumulou para chegar ali, inteira, com tamanha segurança. O roubo do ouro é dele. O ouro ainda lhe pertence, está escondido em uma garagem, em seu belo carro branco, parte de uma vida confortável da qual não pode desfrutar por completo. Ele ainda se mantém em alguns buracos, pulando portões e fugindo por saídas estratégicas.
Grisbi reproduz, mais do que relações entre criminosos, o sentimento de se estar rendido a um estilo de vida, a certo universo. Mesmo quando parece livre para ir ao restaurante com sua amada, no encerramento, Max continua ligado àquilo que viveu na noite anterior, ao seu eu criminoso munido de metralhadora, violento, disposto a salvar um amigo.
Em resumo, o problema de Max é Riton, o companheiro que fala demais, que, diferente dele, não aceitou a velhice e agora se vê de joelhos a uma bela e jovem dançarina (uma jovem Jeanne Moreau). No início, Max quer ir embora dormir cedo; Riton resiste: quer ficar na companhia das jovens garotas chegadas à noite, e seguir à madrugada.
Há uma sequência espetacular em que Becker – também um dos roteiristas, adaptando a obra de Albert Simonin – mostra a ilusão sob a qual vivem alguns homens como o amigo Riton: velhos senhores dançam com moças jovens, no salão, à espera do tempo certo para convidá-las para ir embora, para dormir em algum hotel.
Em outro bom momento, o amigo cheio de problemas encara-se no espelho, toca a própria pele, olha o tempo e sua velhice – na mesma noite em que Max avisa-lhe da traição da jovem namorada, responsável por passar informações importantes a um chefe do crime. Com o ouro, Riton chegou a acreditar que poderia viver uma vida boa com essa menina ao lado; para Max, seria a oportunidade de se aposentar.
No papel principal, Jean Gabin é a experiência em pessoa. Em Grisbi, ele tenta manter as coisas como são, ou como nunca foram: tenta encontrar a calmaria, o repouso, à medida que os outros insistem que seja o mesmo, o bandido que solta bofetões para ter as respostas que precisa. Alguém cuja mão pesada nunca esconde a ternura, nem a tristeza de ter que voltar à mesa na qual está a amada – para sua outra vida – sob a dor de uma perda.
(Touchez pas au grisbi, Jacques Becker, 1954)
Nota: ★★★★☆
AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

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