Por Anna Maria Funke
Frances Gumm era seu verdadeiro nome. Nasceu em Murfreesboro, a 10 de janeiro de 1922. Portanto foi com 47 anos que desapareceu essa mulher pequenina, quase frágil, que levou toda uma vida de atribulações, sempre envolvida em casos complicados, escândalos, aventuras sentimentais… Judy morreu domingo*. Foi encontrada morta por seu atual marido, o quinto, o jovem Mickey Deans, com quem se casara há apenas três meses, afirmando ter encontrado o grande amor de sua vida… Mas esse período calmo de sua vida durou pouco. A morte a levou justamente agora, quando não se cansava de repetir: “agora sou uma mulher feliz”.
Sua carreira começou aos 12 anos. Aos 14 anos foi contratada pela Metro. Daí em diante começou uma das mais brilhantes e tumultuadas carreiras do mundo artístico. Pouco tempo mais tarde, durante uma festa em homenagem a Clark Gable, Judy polarizou a atenção de todos, cantando “You Made Me Love You”, que de tanto sucesso que fez foi logo inserida na parte musical do filme Broadway Melody of 1938, um grande sucesso. Em seguida veio o filme consagração, O Mágico de Oz, com o qual ganhou o Oscar, e lançou para o mundo uma das mais belas canções até hoje apresentadas no cinema, “Over the Rainbow”, que, segundo ela, era a própria síntese de sua vida. Com essa música ela encerrava sempre suas apresentações em público. Dizendo: “em algum lugar, além do arco-íris, os pássaros voam…”, ela despedia-se do público, que amava “como se fossem seus velhos amigos”. Frase sua que ela nos revelou durante o encontro que tivemos em Paris, logo após uma de suas apresentações no Olympia. Aquela mesma mulher, que durante duas horas fizera vibrar uma verdadeira multidão que a aplaudiu delirantemente, ali estava intimidada diante de dois ou três jornalistas. Judy sempre recebia a imprensa dizendo que tinha pavor de dar entrevistas. Tinha mesmo medo, e durante todo o tempo ficou de mãos trêmulas segurando os cigarros que iam sendo consumidos um após outro. Era uma mulher quase feia, mas graciosa. Vestia constantemente roupas pretas, pois achava que era a cor que mais lhe favorecia e mais combinava com seu temperamento. Ao seu lado, nesse dia, estava sua filha Liza Minnelli (nas fotos ao seu lado), hoje com 24 anos, filha de seu casamento com o produtor de cinema Vincente Minnelli, que foi aliás o único de seus maridos que continuou seu grande amigo depois da separação. Liza também é cantora. Parece-se demais com a mãe, e canta e dança no mesmo estilo que Judy.
Contou-nos que adorava Paris, mas tinha medo do público francês, que certa vez a havia vaiado durante uma temporada feita em uma grande boate em Paris. É que os jornais haviam publicado, na véspera de estreia, que ela cantaria apenas 10 números no lugar de 15, por estar rouca, devido ao excesso de bebida…

Um repórter ao nosso lado perguntou se ela bebia porque era uma insatisfeita. Ela respondeu, de cabeça erguida: “Bebo porque gosto. E acho que a bebida me ajuda a cantar melhor, e por isso é que você estava agora mesmo me aplaudindo, não?” E piscou o olho com jeito maroto, mania muito sua.
O noticiário internacional ocupava-se sempre de seus colapsos nervosos, suas crises, tentativas de suicídio… Só a deixaram de lado quando afastou-se durante sete anos de toda atividade artística. Voltou, triunfalmente, aparecendo no cinema em Nasce uma Estrela, outro extraordinário sucesso de sua vida. Também nessa mesma época manteve o público de pé no Metropolitan Opera, de Nova York, e no Carnegie Hall, obtendo consagração igual no Palladium, de Londres.
Nos últimos 10 anos trabalhou em três filmes. Além de Nasce uma Estrela, outro filme apontado pela crítica como um de seus melhores desempenhos foi O Julgamento de Nuremberg.
Agora, há pouco tempo, apresentou-se em Londres, cantando unicamente os grandes sucessos de sua carreira no cinema. Estava numa fase excelente de sua vida. Dias depois entrava sorridente no escritório de um juiz de paz londrino para casar-se com Mickey, 11 anos mais moço que ela, e gerente de uma cadeia de cabarés.
Além de Liza, Judy tinha mais três rapazes, filhos de seus casamentos anteriores. Mas era Liza a mais ligada a ela, talvez por ter abraçado a mesma carreira, e ser muito igual à mãe em temperamento e modo de viver.
O nome Garland foi-lhe dado por George Jessel, um empresário que havia contratado as “Irmãs Gumm”, trio composto por Judy e suas duas irmãs. Segundo ele, o sobrenome não era promocional, e inventou o Garland, pois as três pareciam uma “garland” (guirlanda em inglês) cantando juntas e afinadínhas…
E é assim que, de repente, nasce a saudade de uma estrela, de voz possante e personalíssima, que falava e dizia como ninguém uma porção de coisas lindas e boas da vida que nem sempre ela teve e sentiu… Morreu sozinha, na sua casa do bairro de Chelsea, em Hollywood. O marido a encontrou já muito tempo depois. As possibilidades de suicídio foram logo afastadas pela polícia, que acusou simplesmente morte súbita, o que veio a calar assim uma voz e decididamente uma época da música na sua interpretação cheia de talento e vivência, e imenso calor humano.
“Morre uma estrela”. Correio da Manhã (24 de junho de 1969)
*Texto publicado no Correio da Manhã dois dias após a morte de Judy Garland.


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