A Pele de Vênus, de Roman Polanski

A mulher que visita o diretor de teatro é a personagem de sua peça, uma invasora que deverá desestabilizá-lo. É a mulher que sabe tudo sobre ele, sobre a história que adaptou e levará aos palcos, e que vai ao teatro para reinterpretar a obra de Leopold von Sacher-Masoch.

Por trás de A Pele de Vênus, de Roman Polanski, há mais do que a batalha entre sexos: em cena, o diretor de teatro esconde-se em sua peça, nega seu próprio olhar. Não demora a revelar suas fraquezas e saca algumas desculpas: ao ser confrontado pela mulher, Vanda (o nome da personagem do livro de Sacher-Masoch, A Vênus das Peles), declara que a obra original é ambígua e, por isso, permite diferentes leituras.

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Ele, Thomas, fala de uma história de amor; Vanda, a bela oponente, atriz que aparece em um fim de tarde para participar do teste de elenco, defende que se trata de uma história de sadomasoquismo, sobre dominação – neste caso, feminina.

Talvez por medo de assumir sua vontade de ser o escravo, é mais fácil para o diretor apelar à suposta ambiguidade. No entanto, Vanda é esperta o suficiente para penetrá-lo, como se o conhecesse há tempos.

A mulher – bela, não mais uma garota, sem medo de expor gordura a mais – primeiro se faz de vítima. Depois, joga-se sobre o homem raquítico que talvez não saiba muito sobre o sexo oposto – ou não saiba o suficiente sobre si mesmo, o suficiente para assumir suas vontades, sua tendência a se deixar dominar, ser escravo. Ela agiganta-se.

Após chegar atrasada, Vanda consegue ser ouvida e participar do teste. Aos poucos, ela conduz a leitura do texto: parece saber mais sobre a obra do que o próprio diretor, que, ao mesmo tempo, não esconde deslumbre e atração, também o incômodo.

Ela vai além: prepara a luz do palco, veste Thomas para que ele interprete Severin e chega a sugerir o ensaio de uma cena que não está na versão do diretor. O texto sempre trafega entre a obra a ser levada ao palco e a vida dele, ou a situação de ambos, um caso entre homem e mulher. Por outro lado, nada se sabe sobre ela.

Vanda é a própria personagem, talvez o delírio do diretor, avisado sobre seus desejos e limitações. Não tem história, não tem passado. Existe apenas para confrontá-lo: é a vingança do sexo feminino contra o olhar dele, masculino. Sem nunca dizer, ela põe às claras a fraqueza do outro: fica evidente, a certa altura, que ele não passa de um hipócrita intelectual escondido em sua versão da peça, condutor das várias mulheres – mas nenhuma Vanda – que participam do teste.

O filme de Polanski é feito todo com dois atores, um homem e uma mulher: de um lado, o apequenado Mathieu Amalric; do outro, a voluptuosa Emmanuelle Seigner.

Por algum tempo, o diretor levou ao cinema histórias de mulheres perseguidas por homens, reprimidas e condenadas – como Repulsa ao Sexo, O Bebê de Rosemary, Chinatown e Tess. Com Busca Frenética, o diretor apresenta Seigner, que entra na vida do homem pacato (Harrison Ford) e dá ao filme um toque especial.

A atriz casou-se com Polanski. Desde então, ela tem sido agraciada pelo companheiro com papéis sob medida, como em A Pele de Vênus. Enquanto lança questões sobre o texto do oponente, sua Vanda apresenta o poder como sedução. Suas armas estão naquele pequeno espaço, na arte de interpretar, viver no palco.

(La Vénus à la fourrure, Roman Polanski, 2013)

Nota: ★★★☆☆

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