Um Toque de Classe, de Melvin Frank

No papel de Vickie Allessio, Glenda Jackson restringe-se ao momento, aos instantes que sua personagem solicita, aos lances do jogo que precisa jogar nessa fase de sua vida – nem tão nova assim, mãe de dois filhos, nem tão velha como pode parecer. Como a escolha de uma peça de roupa, ela aceita ter um amante, homem com o qual trombou em Londres.

Na comédia Um Toque de Classe, trombadas não são por acaso. O roteiro insiste nelas, e em algum momento temos a impressão de estar assistindo algo próximo da screwball do fim dos anos 1930 e início dos 1940. Abole-se o sexo. Fica a sugestão. Na Espanha e depois em Londres, os amantes precisam lidar com confusões do cotidiano.

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Se com Jackson assistimos ao melhor, não se pode dizer o mesmo de George Segal no papel de Steve Blackburn. De cabelo avolumado, terno constante, ele sobe o tom, exagera, interpreta alguém à beira da neurose ao descobrir que não pode viver sem a amante – ao mesmo tempo sem coragem ou motivo para se separar da mulher. O filme não diz, nem é necessário: Steve redescobriu a aventura um pouco tarde.

De Jackson há sofisticação, o toque de classe indicado pelo título. De Segal, o golpe arriscado, corridas, truques. Ela espera, ele avança. Tais diferenças – a mulher madura inglesa bem resolvida à contramão do americano que se forja como meninão apetitoso, em busca de sexo casual, em outro apartamento – quase fazem o filme subir um degrau.

O diretor Melvin Frank, autor da história e do roteiro, ao lado de Jack Rose, mistura tantos elementos e formas que, no fim, temos a impressão de que o drama real – a passagem em que ela toma uma atitude, quando ele entende que essa é a melhor saída – não cabe mais àquele universo. Esperamos por um encaixe, algo como um beijo sob a chuva.

O homem que observa a mulher pela janela percebeu ter esperado demais. Ela cansou, ou apenas compreendeu que nunca poderia ser a mulher a aguardá-lo com um prato especial, em um dia qualquer. Da viagem a dois à vida que voltam a construir, vivem como se se conhecessem há décadas, no palco de conflitos típicos de um velho casal.

A viagem à Espanha é o experimento, o primeiro teste. A cada parada, tudo dá errado. Na terra de Franco, ele aluga um carro com problemas mecânicos e briga para ter um quarto voltado ao mar. No momento em que ambos finalmente se unem, Steve fica com as costas travadas, o que os obriga a chamar um massagista. Ela assiste paciente.

Na mesma Espanha de cores fortes e calor intenso, Steve reencontra um amigo, interpretado por Paul Sorvino. A confusão ganha uma peça a mais. Eles passam a se encontrar em todos os lugares. O amigo faz Steve refletir sobre sua vida de amante. Pensamos no quanto Jackson precisa se adaptar a esse jogo, contorcer-se, sem deixar de ser ela mesma, o quanto, nessas situações, pode ser irresistível lançar mão de algum arroubo.

Na cena em que o casal ataca-se com objetos do quarto, com um funcionário do hotel ao centro, fica clara a crença do diretor em misturas improváveis. Seu trunfo é a química das personagens. Contra todas as expectativas, por causa de suas diferenças, homem e mulher em cena ainda funcionam. É o que salva um filme sem muita criatividade.

Steve é um executivo de sucesso, à frente de uma grande empresa. Homens recorrem a ele para tomar decisões importantes. Vickie pertence a outro universo. Não esconde nada: ela “rouba” moldes de roupas de estilistas famosos e os recria na empresa em que trabalha. Sem esforço, gostamos dessa ladra interessante, forte, de opinião formada.

(A Touch of Class, Melvin Frank, 1973)

Nota: ★★★☆☆

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

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