Considerações de Maurice Pialat sobre Lumière e Fellini

Um pouco antes de entrar em produção com A Infância Nua, vi alguns filmes de Louis Lumière. Eles foram uma revelação. Esse cinema que existiu por um breve momento antes de morrer rapidamente, reprimido pelas restrições comerciais do show business, deveria mais uma vez ter seu dia.

 

Não é ser modesto dizer que A Infância Nua foi dirigido sob a influência de Lumière. Mas foi exatamente assim. Durante a filmagem de A Infância Nua, eu estava pensando em O Almoço do Bebê [Louis Lumière, 1895]. Lumière filmou a realidade? Acho que não. Em seus filmes, homens e mulheres, capturados por uma máquina sobre a qual não sabem nada, desistiram de um momento em suas vidas e, desde então, todo ator faz a mesma coisa. Na cena “fantástica”, Lumière supera Méliès. Essas pessoas, sem saber, estão assistindo suas vidas acontecerem. Todo o cinema está aí, nessa apreensão da existência, nesse exorcismo da morte. Este é um cinema de sonho. A saída das fábricas de Lumière lança de volta para longe as grossas idiotices de alguém como Fellini. Essa estética fornece a definição de cinema: uma alquimia, uma transformação do sórdido em maravilhoso, do comum em excepcional, do sujeito filmado até o momento de sua extinção. É isso que realismo é para mim. Simplificando, eu diria: “Onirismo barato: não sei nada sobre isso. O simples evento de pressionar um botão na câmera é onírico”.

 

Pergunta: Mas onirismo, fantasia etc, são gêneros bastante precisos praticados com talento por diretores como Fellini.

 

Fellini tem medo da realidade porque não tem forças para enfrentá-la, o que, artisticamente, é uma espécie de impotência e vulgaridade. Fellini traiu Rossellini, seu mestre. A direção desonesta dos filmes é aquela que encena o que é tecnicamente irrealizável. Na cena do metrô de Roma [Federico Fellini, 1972], a câmera é colocada de tal forma que você acha que é incapaz de registrar o que o espectador está vendo. No cinema, a pessoa tem todo o direito, exceto o de ser um impostor.

Maurice Pialat, cineasta, em entrevista a Dominique Maillet em 1972 (reproduzida no livreto do DVD de 2008 do Masters of Cinema UK; leia aqui; traduzido do francês para o inglês por Craig Keller). Acima, O Almoço do Bebê; abaixo, cena de A Infância Nua.

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2 comentários sobre “Considerações de Maurice Pialat sobre Lumière e Fellini

  1. Eu amo os curtas dos irmãos Lumiere.Quando fiz as filmagens de Filmagens de Raízes eu me inspirei neles para fazer o meu filme o que resultou num longa metragem de 85 minutos e sendo uma homenagem ao estilo de filmar deles.
    Fellini era um mestre na fantasia tudo o que você via no filme ele fazia até o feio ficar bonito.

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