As descrições sobre o outro, em carta, reproduzem o que o casal tem de melhor. A mulher e seu marido relatam detalhes, manias, pequenas coisas que marcam toda a relação. Reconhecer o que há de bom talvez prolongue um pouco o que, no fundo, chegou ao fim. Eis a dificuldade do casal: separar-se mesmo quando existem sentimentos.
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Impossível explicar com certeza o que leva à separação em História de um Casamento. Entre os elogios que abrem a obra e os ataques que surgem à frente, em discussão cara a cara, o casal segue quase um caminho natural, pelo qual não se explica e continua, pelo qual escolhe o divórcio e cede às lágrimas, em sofrimento inclassificável.
O que há de melhor no filme de Noah Baumbach é justamente o que não se explica. A relação acabou. Ponto. Expressar sentimentos favoráveis ou desfavoráveis sobre cada um é o exercício básico – para não chamar de clichê – para driblar as razões de fundo, difíceis de verbalizar, às quais é necessário sobrepor alguma racionalidade.
As acusações são variadas. Charlie (Adam Driver) diz que Nicole (Scarlett Johansson) usou-o para se mudar para Nova York. Ela, em fúria, diz que ele parece o pai e se tornou um estranho. Mais: diz que não gostava de ser tocada por ele quando faziam sexo e relembra a infidelidade do homem. Ele arremata: diz que gostaria de vê-la morta.
É o momento mais duro do filme mais pesado de Baumbach. Jogo de olhares, de acusações. Melhor acreditar que são mentiras, sobretudo ao espectador com algum pingo de esperança. Por outro lado, o diretor e roteirista não dá qualquer sinal de que algo pode mudar. A cada reencontro, fica mais claro que aquele casamento acabou.
Entre o início e o fim segue-se o rito conhecido. Aquele em que, a certa altura, o casal não se reconhece. Ela procura uma advogada. Na verdade, a melhor advogada (Laura Dern). O processo será tocado em Los Angeles, o que o obriga a deixar Nova York. Para tentar vencer a ex-mulher ou apenas ter mais direitos, Charlie precisa estar perto do filho.
Amam-se mas se debatem, deixam-se levar pelo caminho conhecido: cada um a um lado do tribunal, a permitir a artilharia dos advogados. Nessa arena, o pior de cada um vem à tona, até o menor detalhe – a cadeirinha que ele esqueceu de prender ao banco de trás do carro, a taça de vinho a mais que ela tomou – termina como arma à batalha em questão.
Os advogados dão vez ao que o casal não é. O rito é cruel. De defensores dos direitos dos clientes – ele um diretor de teatro, ela uma atriz -, convertem-se nos verdadeiros atores de uma comédia sem graça. O excesso de regras esmaga pessoas de sentimentos, cujos corações ainda sobrevivem à sala fria em que se veem como peças de tabuleiro.
É dessa irracionalidade que se finge séria que trata Baumbach. Dessa jornada infernal tanto para um quanto para outro: ponto em que olham para si mesmos e precisam entender o que move o rompimento com alguém tão amável. Ao homem, cantando, vem a letra reveladora: apesar de todos os problemas dela, resta a consciência de estar vivo.
Amar, viver junto, casar, separar. Claro que a regra não serve para todos. Existem histórias de casamentos duradouros. Outras em que a constatação do fim não conduz à separação. Outras como a de Nicole e Charlie, aos quais o filho é o indicativo de união, de beleza exposta, a despeito da necessidade de ficar só, viver de outra forma. Por que o casamento acabou? A resposta não está em uma cena ou frase, mas no filme todo.
(Marriage Story, Noah Baumbach, 2019)
Nota: ★★★★☆
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