O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene

Quem conta a história é um jovem louco, rapaz apaixonado por uma mulher de branco, sonâmbula, que percorre o jardim. O que se espera do terror, em O Gabinete do Dr. Caligari, pode ser visto nessa sequência inicial: a atração pela morte, a guinada aos transtornos da mente, à confusão – na história relembrada – entre realidade e criação.

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O filme de Robert Wiene, com roteiro de Carl Mayer e Hans Janowitz, continua a assombrar. Novas gerações questionam seu poder. Especialistas seguem seduzidos por seus cenários distorcidos, por suas linhas tortas, por um universo único que reproduz a loucura, a dominação da massa, o desespero de se ver possuído.

Fala-se em expressionismo. O filme chega a inaugurar um estilo próprio: o caligarismo. Todo feito em cenários, todo composto por paredes, janelas e portas retorcidas. Vista a distância, a cidade em que se passa a história mais parece uma fogueira na primeira imagem que vem à mente do protagonista,. As casas representam labaredas, ajudadas pelas árvores e pelo cume, a igreja que se põe ao alto. O inferno ganha reprodução.

O terror, nesse caso, depende mais da ambientação, do clima, menos de investidas das figuras propositalmente caricatas, borradas pela maquiagem: é um cinema que ainda oferece afeto apesar da repulsa, que emite sensibilidade – como no momento em que o sonâmbulo ataca a moça indefesa e adormecida – apesar dos monstros.

Caligari é ao mesmo tempo o mágico, o mestre do palco, ao mesmo tempo o médico à frente do hospital psiquiátrico. A mensagem é clara: o poder emerge do ser disfarçado, entre a autoridade e o espetáculo, a viver na pequena casa torta ou no hospício. Na cidade que simula chamas ou lâminas ao alto, Caligari despeja seu poder.

Surgem os mortos. A polícia é mobilizada. No espetáculo de Caligari, um sonâmbulo é acordado  para continuar a dormir. Dormiu a vida toda, sendo talvez a melhor reprodução de uma sociedade em dormência absoluta, comandada pelo mágico do palco, seu teatro, ao público que arregala os olhos – e ao qual são lançadas profecias.

Uma delas indica que um homem morrerá na manhã seguinte. Profecia cumprida. Seu melhor amigo, responsável por contar a história, é Francis (Friedrich Feher), que passa a investigar os crimes. Caminhará então pelas vielas internas de Caligari, ou da cidade. Caligari é o problema e o verdadeiro protagonista a essa personagem perdida, frágil, rapazola que ama uma sonâmbula, o fantasma que percorre o bosque da abertura.

As casas não têm teto. Custa ao público ver o fundo. As paredes talvez sejam infinitas. Os funcionários das repartições públicas precisam escalar suas cadeiras para trabalhar. O meio é a mensagem, o espetáculo da loucura que serve à caminhada do Caligari de Werner Krauss, grande vilão de óculos arredondados, cabelos brancos e longos.

Antecipa Mabuse, o louco de Fritz Lang que queria dominar o mundo e voltaria em diferentes filmes, em diferentes décadas. Antecipa, como querem alguns estudiosos, o poder que tomaria a Alemanha com a ascensão nazista, nos anos 30, empurrando a nação – e o mundo – para outra guerra mundial. Caligari é o terror do palco, teatral, intocado.

Para tocar, usa seu sonâmbulo, homem que dorme em um caixão, Cesare (Conrad Veidt). De roupa colante preta, de maquiagem ainda mais gritante. Quando acorda, é como se abrisse os olhos pela primeira vez, como se caminhasse – pelo palco, pela vida – pela primeira vez.

Poucos filmes tiveram tanta influência sobre o cinema feito depois. Caligari aprisiona seu espectador nas ruelas e corredores da mente de seu pequeno herói, nos becos de miséria que, mesmo abertamente falsos, estranhamente tocam o mundo real, na profundidade em que as personagens, esmagadas, adentram até desaparecer.

(Das Cabinet des Dr. Caligari, Robert Wiene, 1920)

Nota: ★★★★★⤴

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