Poucas profissões são mais atacadas e odiadas que a do crítico de cinema. Questionam alguns, com certa constância: que direito tem ele de dizer se o filme é bom ou não? Se vale o ingresso ou não? Como se verá na lista abaixo, a função do crítico não é dar respostas fáceis e indicar o que merece ser visto. O (bom) crítico de cinema deve, antes, convidar o leitor à reflexão, decifrar os elementos que formam o filme e ter conteúdo para sustentar sua opinião (concorde o leitor/espectador ou não).
Em 1956, na lendária Revista de Cinema, Jomard Muniz de Britto já observava que “o crítico atingiu uma comercialização total. Quase não se distingue do repórter, do noticiarista. Vai ao cinema por obrigação. Por obrigação, também escreve”. E mais: “O estudo meticuloso e demorado cedeu lugar a uma tarefa brasileiramente apressada e superficial”.
Os críticos apresentados nas imagens não são os únicos que cometeram os citados erros. São apenas exemplos. Esta lista, vale lembrar, é fruto de uma opinião pessoal. Bons críticos também cometem equívocos.
ACOMPANHE NOSSOS CANAIS: Facebook e Telegram
1) Reduzir o texto à sinopse e a um guia de consumo
Como quase tudo na internet se reduz a espaço e velocidade, negócios e pouco aprofundamento, o guia de consumo que se disfarça de crítica de cinema tem crescido bastante. Nele, apela-se ao básico: a sinopse e talvez algumas pinceladas que podem gerar uma opinião ou outra, mas nada com profundidade. Que fique claro: não há problema algum em usar sinopses e oferecer serviços com guia de consumo (com salas e horários de exibição), mas isso não é papel do crítico. E o leitor, por sua vez, não deve esperar do crítico a resposta para sua “compra certa”.
2) Mandar o espectador assistir ou não ao filme
Ao invés de perder tempo mandando o leitor ir ver ou não um filme, o crítico deve se preocupar em colocar sua opinião com um mínimo honestidade intelectual. O filme é bom ou ruim apenas para ele, e o que importa no texto – desde que utilize bons argumentos e conhecimento – é sua opinião. Críticos não tem o poder de mandar, de guiar as pessoas. Não basta tecer elogios vazios ou apenas distribuir estrelas.
3) Gastar tempo abordando a bilheteria de um filme
Em um momento em que a bilheteria depende diretamente dos gastos com publicidade, perder tempo em abordá-la – ou, pior, fazer dela o foco da análise – é um dos pecados da crítica de cinema. Desde quando faturamento tem a ver com qualidade? Casos de filmes ruins que estouram na bilheteria existem aos montes. O contrário também: grandes filmes que fazem público exíguo. Números interessam a produtores, distribuidores, marqueteiros, não a críticos de cinema.
4) Dizer como o filme deveria ser feito
Um filme é produto de um realizador, ou de um autor, ou mesmo de um produtor. Este, por sua vez, fez dele o que desejava. Em suma, a obra é o que é, está acabada e não cabe ao crítico – responsável por sua análise, não por sua realização – dizer como deveria ter sido feita, que metragem deveria ter etc. É comum ver observações do tipo “o filme é longo demais” ou “se o diretor X tivesse feito, e não o diretor Y, o resultado seria melhor”. Quer realizar? Então passe para trás das câmeras!
5) Escrever análises de trailers, de fotos e alimentar o buzz
Produtoras e distribuidores adoram isso. O filme sequer foi lançado e já surgem as primeiras críticas do… trailer! Isso mesmo, senhores leitores! Trailer, vale lembrar, é apenas uma propaganda, uma embalagem, menos que um petisco. Nem sempre bons trailers dão luz a bons filmes (quem não se lembra de Esquadrão Suicida?). Críticos que se debruçam sobre propagandas, ou fotos vazadas para gerar barulho, servem apenas ao propósito dos marqueteiros. Adoram alimentar o buzz e os números.
6) Bajular distribuidoras, produtoras, cineastas e estrelas
Outro problema constante. Críticos de cinema costumam ter uma relação de proximidade com produtores, frequentando festas, eventos, junkets e as conhecidas cabines. Há críticos que desejam estar nesses eventos para alavancar sites, blogs e perfis no Facebook (nem vamos falar aqui dos digital influencers, não vale a pena). E, para tanto, precisam bajular o dono do ingresso, e do filme. O elogio à obra, ou à estrela em questão, vem à reboque. Viva o entretenimento!
7) Acreditar que basta ter espaço e audiência para ser crítico
Na era dos youtubers, dos bloggers e demais figuras do mundo digital, muitos acreditam que ser crítico é fácil: basta ter espaço. Se tiver audiência, melhor ainda! É desse meio que nascem algumas figuras que não sabem nada ou pouca coisa do assunto e se arriscam a comentar as obras. Muitos desses supostos críticos adoram efeitos de edição no vídeo, piadas e chegam até a cantar. Vale tudo para agarrar a atenção! Não se decidiram entre o ofício do ator ou o do crítico de cinema.
8) Acreditar que tem influência no destino comercial de um filme
Antes do marketing ditar os rumos da indústria do cinema, críticos tinham mais poder. Você já deve ter visto a cena em algum filme, alguma vez na vida: os artistas acordam cedo e correm à banca de jornal para saber o que falam deles e da obra em que trabalharam. Atualmente, esse poder de fogo é questionável. Talvez existam exceções, como o caso de filmes em circuito reduzido e que dependem de algumas linhas a mais para ganhar atenção. Mas são situações cada vez mais raras. As estreias esmagadoras – que chegam a ocupar até metade das salas de um país como o Brasil – não dependem da crítica. Dependem, sim, do buzz, da publicidade, dos memes e de outros objetos da modernidade.
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)
Veja também:
Os dez melhores filmes de David Cronenberg
Ótimo texto, apesar de ter achado um pouco irritadiço com os que exercem a profissão sem um mínimo de conhecimento. Só não concordo com uma parte: “É comum ver observações do tipo “o filme é longo demais” ou “se o diretor X tivesse feito, e não o diretor Y, o resultado seria melhor”. Quer realizar? Então passe para trás das câmeras!”
Oras, existem, afinal, produções que dão a impressão de terem se esticado demais sem desenvolver a narrativa e por isso seriam melhor apreciadas com 30 minutos a menos. Da mesma forma, existem aqueles filmes com personagens e narrativas tão bons que 20 minutos a mais de diálogos inspirados não seriam uma má ideia.
Acho que um bom crítico deve, porém, saber ponderar se justamente o tempo de produção do filme, não foi um limite de orçamento (no caso dos curtos demais) ou uma conta bancária recheada demais (no caso dos longos demais).
Ademais, parabéns pelo texto e pelas críticas! 🙂
Olá Henrique. Primeiramente, obrigado pelas palavras e por acompanhar o espaço. Sobre essa questão de o filme parecer longo, acho que existe uma diferença entre dizer que é longo e dizer que deveria ser mais curto. Explico: dizer que é longo é uma análise da obra como ela é, o que cabe ao crítico; dizer que deveria ser mais curto é uma maneira de dizer como o filme deveria ser. O primeiro caso é totalmente aceitável. O segundo, a meu ver, não. Acho que é isso. Grande abraço!