Clamor do Sexo, de Elia Kazan

Os jovens agarram-se nos bancos traseiros dos carros enquanto, à frente, corre a natureza, a cascata d’água. Corre no sentido natural, livre, e parece nos indicar como deveria ser – e não é – a natureza dos jovens ao centro da história. Eles são proibidos, vigiados, culpados por ultrapassar limites – ou apenas desejar a passagem.

Na sociedade em questão, os Estados Unidos anteriores à quebra da Bolsa, em 1929, os costumes passavam da casa à igreja. Pela rua, mantinham-se as aparências: o bom moço para casar, o jogador mais desejado do time da escola; a moça pacata, perfeitinha, o símbolo de pureza que precisa manter intacta a virgindade em Clamor do Sexo. Pais, mães e outras figuras da vizinhança, em conversas à “boca pequena”, apontam a uma sociedade moldada à hipocrisia. O desejo é proibido. Tesão era algo impensável antes do casamento – mesmo que moças e rapazes continuem a ir à beira da mesma cascata, noite após noite, para assistir ao curso da natureza.

A pequena Wilma Dean Loomis (Natalie Wood) encontra em seu espelho uma mulher, não mais o bebê do qual fala sua mãe. Quando se joga no fundo da banheira para se “refrescar” e afirma sua condição pura à mesma mãe, será naturalmente repelida, ao gesto fingido de quem não entende o que se passa. As aparências obrigam gestos toscos, pais e mães que não sabem lidar com o desejo que, ao mesmo tempo, consome Wilma e seu companheiro. Ele, rapaz bem-nascido, de família rica que cava poços de petróleo e tem boas quantias de dinheiro em ações, ama a menina e não sabe como lidar com suas vontades – com as suas próprias também.

Bud (Warren Beatty) é o bonitão da escola. Sua passagem com Wilma pelo corredor apresenta o casal modelo, aquele que todos gostariam de compor: ela, a bela ninfeta de sorriso inesquecível, febril tanto na maneira como torce para ele no jogo de futebol americano quanto na forma como se debate para lidar com suas vontades; ele, entre o pai e a irmã sexualmente liberta, entre conservadorismo e entrega total.

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES: Facebook / Telegram / Letterboxd

Para o pai, Ace Stamper (Pat Hingle), Bud é a possibilidade de sucesso. O jovem que deve conquistar o mundo, a quem o mundo pertence. Ace é manco, o que logo nos leva a enxergar sua impotência. O filho é moldado como a miniatura da torre de petróleo que mantém no centro de sua sala: algo a ser construído, peça a peça, para ser o que ele quer, igualmente o objeto fálico que contrapõe sua fraqueza. Mas Bud, como Wilma, não quer ser o que seus pais querem que ele seja. E ambos precisam chegar ao adoecimento para explicar – talvez, não se sabe ao certo – o que o corpo diz no lugar da fala abafada, no esteio de seres jovens que precisam tanto do sexo quanto do amor, que se comunicam pelas ações inconscientes, e que não querem estudar fora.

No centro do grande filme de Elia Kazan está uma geração incompreendida pelo conservadorismo dos mais velhos, os mesmos que se inclinam às possibilidades de enriquecimento de uma economia liberal. Em sequência interessante, a mãe de Wilma (Audrey Christie) dança como índio ao revelar ser rica. A torre de petróleo em miniatura representa também a tara pelo dinheiro nesse filme que, como o anterior Vidas Amargas, mescla tempos: Kazan mira nos jovens do passado – antes em James Dean, aqui em Natalie Wood e Warren Beatty – para falar dos jovens dos anos 1960, da liberação sexual, da natureza que, passadas décadas, segue seu curso.

A geração de Clamor do Sexo é duplamente castrada: pela imposição dos mais velhos não pode viver o desejo; pelo erro dos mais velhos, donos do sistema, é levada a empobrecer quando a Depressão estoura, sem acesso às benesses que os pais tiveram. Na véspera da quebra, alguns ainda querem viver como sempre viveram. Para Kazan, com roteiro de William Inge, eis o lado mais podre dos Estados Unidos: o ponto em que a representação assume as rédeas por completo. Ao lado do filho para sua última noite de gastança e ostentação como um rico homem do Kansas, Ace também encontra o caminho óbvio, não antes de pagar uma prostituta para tornar seu menino um homem.

Para o filho, em outro momento para compreendermos a velha geração alvo de Kazan, Ace diz que há apenas dois tipos de mulher: uma para casar, outra para o sexo. Mas Ace tem um exemplo dentro de sua própria casa que o confunde e o desnorteia. Sua filha seria então um caso à parte. Interpretada pela grande Barbara Loden, ela é livre, confronta os demais, circula pela festa de ano novo como o troféu a ser agarrado por um homem que ainda tenha coragem de tirá-la para dançar. Quando nenhum mostra disposição, ela corre para fora e permite que seja tocada por um grupo de engravatados.

Ginny (Loden) saiu de casa para estudar arte. Não suporta as grandes estruturas usadas para cortar o solo e retirar petróleo em sua antiga cidade. Na verdade, não suporta a paisagem na qual interessa apenas a acumulação financeira que, para alguém como ela, produz um gozo insatisfatório, a alimentar pouco mais que sua luxúria.

Entre o pai cheio de impedimentos e a irmã liberta, Bud sai do eixo. Mais tarde, na Wilma de cabelos curtos e vestido vermelho, sexualmente aberta, encontra justamente o reflexo de Ginny. Quando envelhecem e reconhecem a passagem do tempo, no reencontro final, o filme chega ao seu momento mais triste, também à consequência realista da qual Kazan não abre mão. As transformações são inevitáveis. É preciso “encontrar força no que fica para trás”, como no poema de Wordsworth.

Kazan abordou a Grande Depressão em outros filmes. No anterior Rio Violento, casas velhas recheadas de rostos tristes, reais, como se vê também em Baby Doll, dão a tônica da paisagem prestes a desaparecer. Em uma ilhota próxima a ser coberta pela água, um advogado (Montgomery Clift) tenta convencer uma senhora (Jo Van Fleet) a deixar o local. O apego à terra – à parte que compõe as pessoas que ali vivem e ali querem morrer – confronta a construção da grande represa. O progresso é inevitável, ainda que sob um olhar de desconfiança, dos que se deixam golpear, como se nada pudessem fazer. Como algumas personagens de Clamor do Sexo, elas estão cansadas.

(Splendor in the Grass, Elia Kazan, 1961)

Nota: ★★★★★⤴

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também:
Gata em Teto de Zinco Quente, por Antonio Moniz Vianna

Deixe um comentário