A tarefa árdua de explicar Resnais

A conversa desenrolava-se em um grupo de rede social. O assunto era um filme de 1961, O Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais. A certa altura, depois de algumas observações dos internautas sobre a obra, uma das mais enigmáticas da sétima arte, um rapaz confessou não ter compreendido o filme e pediu que lhe explicassem. Tarefa árdua.

Por um bom tempo, ninguém respondeu nada. Silêncio na rede. Senti que era preciso dizer algo, não deixar o pobre rapaz sozinho em seu oceano de dúvidas. Afinal, como explicar O Ano Passado em Marienbad? Para começar, não há exatamente uma explicação. Diferente de tantos filmes dotados de uma narrativa convencional, com personagens que se deixam ver com facilidade e obstáculos definidos, Marienbad lança-nos em um labirinto.

Em linhas gerais, é sobre um casal que vaga pelo interior de um castelo. O homem (Giorgio Albertazzi) segue a mulher (Delphine Seyrig) e diz ter se encontrado com ela, naquele mesmo local, no ano anterior. Ela não se lembra. Logo surge outra personagem importante, também sem nome, interpretada por Sacha Pitoëff, que propõe jogos.

Na verdade, isso é menos que as linhas gerais. É só uma linha. O filme é mais que isso, muito mais: é sobre um castelo, sobre espaços, sobre o tempo e a memória. Todo o cinema de Resnais abarca o efeito da memória e da imaginação – ou da fusão de ambas – em nós. E nenhum deles é mais desafiador que O Ano Passado em Marienbad.

À dúvida do internauta eu não tinha a resposta esperada. Não é possível “explicar” Marienbad. Não é para ser explicado, mas para ser absorvido: uma experiência que se aproxima do sonho, navegação através de espaços aprisionantes, gélidos, na qual os humanos às vezes parecem estátuas e não se deixam nunca decifrar.

Nosso contínuo retorno a Marienbad, passadas décadas, comprova sua importância. Segue um filme fundamental, interminável. Ao ser convidado a falar sobre o centenário do cinema, em 1995, o grande crítico Moniz Vianna, do Correio da Manhã, abriu um debate interessante ao argumentar que não havia centenário a ser comemorado. “Acho essa história de cem anos do cinema uma bobagem. O cinema começou mesmo em 1915, com O Nascimento de uma Nação. E acabou em 1961. Hoje é alguma coisa que eu não sei o que é.” Repare que, para Moniz, o cinema acabou em 1961, justamente o ano de Marienbad.

Ou seja, naquele momento de transformações no cinema – não só através de Resnais, mas também com Godard, Fellini, Antonioni e outros – talvez tudo já houvesse sido dito. Talvez Resnais, com seu enigma, tenha encerrado as possibilidades de uma arte.

O diretor, por sua vez, continuou a todo vapor. Em junho de 2022 foi comemorado o seu centenário. E não é justo lembrá-lo apenas por Hiroshima, Meu Amor e Marienbad, indiscutivelmente divisores de água. Muriel, A Guerra Acabou, Eu Te Amo, Eu Te Amo, Providence e, mais tarde, Ervas Daninhas são grandes filmes.

Com Meu Tio na América, colocou todos nós para pensar sobre as singularidades do homem e seu lugar neste mundo louco – a partir das ideias cientista Henri Laborit. Na tela, as ações de ratos em laboratório são mostradas em paralelo às das três personagens, dois homens e uma mulher, cada um com uma história de vida. Como os ratos, temos memória; diferente deles, temos imaginação. Se tivesse que indicar um filme para alguém começar a descobrir Resnais, indicaria Meu Tio na América. É o mais arriscado, e um dos melhores.

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

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Veja também: Eu te Amo, Eu te Amo, de Alain Resnais

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