Críticos e especialistas citam com constância, quando se trata do cinema de Yasujiro Ozu, a técnica da câmera em ângulo baixo, pela qual o autor põe-se na altura de uma pessoa sentada no tatame. Seria, dizem, um olhar tipicamente japonês, derivado dessa posição corporal comum à cultura nipônica. No entanto, o próprio Ozu confronta esse entendimento em declaração reproduzida abaixo:
Sou uma pessoa que tem bem definido o que gosta ou não gosta e, por isso, naturalmente muitas manias minhas aparecem nos filmes. Uma de minhas manias é posicionar a câmera, de modo a compor uma visão de baixo para cima. Comecei a utilizá-la durante a filmagem de A Beleza da Carne [filme perdido de 1928], na época em que só fazia comédias. Como a cena passava-se num bar e trabalhávamos com menos luz do que hoje, toda vez que se fazia um corte, era necessário transportar a fiação de luz de um lugar para outro e, por isso, logo no segundo ou terceiro corte, o chão se enchia de fios elétricos. Para poupar tempo e evitar o incômodo de ficar arrumando todos aqueles fios, comecei a posicionar a câmera de modo a não enquadrar o chão. A composição feita dessa maneira não ficava ruim e, além disso, otimizávamos o tempo. Isso acabou se tornando uma mania e, a partir daí, comecei a posicionar a câmera cada vez mais baixa.
A declaração foi dada ao jornal Tokyo Shimbun em 1952 e reproduzida em O Anticinema de Yasujiro Ozu, de Kiju Yoshida (Cosac & Naify; pg. 139). As colocações de Ozu, como pontua Yoshida, carregam “um humor que só nos cabe aceitar e com ele se divertir” (pg. 140). Para Yoshida, não passava de uma explicação óbvia dizer que essas cenas com a câmera em ângulo baixo reproduziam algo tipicamente japonês.
O autor lembra que “a câmera bem abaixo da linha do olhar de quem se senta no tatame não só distorcia o espaço arquitetônico oriental, mas também distorcia os próprios atores projetados, transformando-os em seres irreais” (p. 140). Acima, Ozu durante uma filmagem; abaixo, dois exemplos da câmera em ângulo baixo em Pai e Filha e Era Uma Vez em Tóquio.
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Veja também:
Era Uma Vez em Tóquio, de Yasujiro Ozu