Um especialista em expressões tristes, homem quadriculado de voz forte, nascido velho, por isso a carregar a velhice por muitos anos, décadas, antes de se encontrar com a morte. Justamente a Morte, sua algoz no primeiro filme com Ingmar Bergman, O Sétimo Selo, no qual é antes um símbolo, figura resistente, quase indestrutível.
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Contra a morte e contra a peste. Contra o mal que se anuncia à beira-mar, ainda nos primeiros instantes, em abertura inesquecível: a Morte, em preto dos pés à cabeça, livremente falsa, interpretada por Bengt Ekerot, convida o Antonius Block de Max von Sydow para um duelo de xadrez. Em jogo, é certo, sua vida, ou a representação do próprio homem.
Um dos encontros mais conhecidos do cinema. Uma daquelas aberturas à qual todo cinéfilo retorna, em que o simples revela-se grandioso, em que homens não deixam de ser homens, em que a própria Morte não precisa de retoques, apenas o que entrega à lente. Para essa personificação da luta contra o inevitável, ainda que a vida seja um jogo e o vilão esteja disposto a trapacear, o homem segue firme em sua jornada.
Significativo que Bergman tenha escolhido von Sydow para esse papel. A tortura do homem, em cena, enquanto tenta parecer forte, simular resistência, sobreviver às florestas, às bruxas queimadas, à visão do inferno que antecipa o pior: para todos os pontos da jornada mística, uma caracterização acima de qualquer suspeita, honestidade evidente.
Significativo que Bergman também tenha levado von Sydow ao reino das mulheres (para não penetrá-lo) em No Limiar da Vida, ou ao dos artistas cheios de truques, incompreendidos, de O Rosto, no qual o ator prescinde da fala. Em cena, a arte é julgada e, a certa altura, as máscaras caem.
No campo do horror, nada supera o pai que acaba de perder a filha e, na mesma noite, fica cara a cara com os assassinos da moça, em sua casa. Em cena, von Sydow dobra uma árvore como se lutasse com Deus em A Fonte da Donzela. Dele, ator perfeito para o papel de seres confiáveis, perdedores e conselheiros, Bergman retira muito do mal-estar na civilização: é figura importante no extraordinário Luz de Inverno.
Max von Sydow veio do teatro. Nos palcos conheceu Bergman. País pequeno, a Suécia impedia, à época, que o ator servisse apenas à câmera ou ao palco. Fazia de tudo no tempo em que não havia televisão. Para von Sydow e para Bergman, o inverno era dedicado ao teatro; o verão, ao cinema. E foi com o grande cineasta que fez seus melhores filmes.
Sua forma para o homem recluso casa bem às propostas de A Hora do Lobo e Vergonha. Cai bem igualmente ao camponês honesto e batalhador de Os Imigrantes e O Preço do Triunfo, ambos de Jan Troell. Ou como o experiente padre Merrin de O Exorcista, sucesso absoluto de bilheteria e que garante, por décadas, sua presença nas mais variadas produções internacionais – ainda que com frequência como coadjuvante de peso.
Entre tantos filmes, e após tantas contribuições a Bergman, um dos seus melhores momentos pode ser visto em Pelle, o Conquistador. Figura covarde, humana, aos olhos do menino que dá título à obra de Bille August. A fraqueza levada a sua caracterização é o lado oposto do cavaleiro de O Sétimo Selo, homem real que von Sydow fazia como ninguém.
Veja também:
A Fonte da Donzela, de Ingmar Bergman