Tão falsa, Tilda Swinton divide-se em duas personagens, lados da mesma moeda em Okja, aventura com humor e crítica social. Duas faces da grande corporação que produz alimentos em alta escala – e mata porcos para isso. Primeiro com peculiar alegria, a atriz migra mais tarde à pura maldade.
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A primeira é a irmã que ri, a propaganda, a mulher de peruca loura que vende o produto, o bem-estar. “Como é bom alimentar milhões de pessoas com as novidades da genética”, parece dizer em suas aparições. Mais tarde, quando o confronto dos heróis contra a empresa de alimentos foge ao controle, saca-se a segunda, a irmã malvada, outra face da indústria.
Okja, de Bong Joon-ho, torna-se então mais obscuro: é o momento em que a menina inocente, em busca de seu porco Okja, termina no abatedouro de animais, à penumbra, ao som insuportável do sofrimento dos bichos. É também o momento para explicitar questões: a história juvenil é apoderada pela máquina de moer carne.
De algum ponto perdido da Coreia do Sul, entre montanhas, vêm a garota e o porco, bondade e inocência entre a natureza. Nasceram livres, sem maldade, distantes dos homens e seu poder de corrupção. Da propaganda, o primeiro elemento explorado, com Swinton à tela, fica a dica: tamanha falsidade não deixa dúvida sobre a vilania.
A empresa de carnes lança um concurso global. A ideia é criar porcos gigantes em diferentes pontos do planeta. O maior deles vence o concurso. Dez anos depois o espectador encontra a menina Mija (Ahn Seo-Hyun) e seu porco Okja. A amizade prevalece. O animal carrega inteligência acima do normal e responde à necessidade da garota que cresceu sem pai e mãe.
A aventura ganha corpo quando o porco é levado embora, primeiro para Seul, depois para Nova York. O porco é o centro da batalha, mescla formas reais à livre fantasia, com traços de desenho animado. É, no fundo, o expressão de bondade daquela mesma menina de olhar atento, a natureza distante dos grandes frigoríficos.
Bong Joon-ho é inclinado a monstros, seja por meio de criaturas fantásticas, seja pelo homem. Em O Hospedeiro, um monstro sai das águas para atacar a cidade. É explícito, evidente, ao contrário dos vilões de Memórias de um Assassino e, na ficção científica, de Expresso do Amanhã, ocultos sob a roda de uma sociedade doente.
No último citado, o mundo está coberto por gelo. Presos a um trem que não para de se locomover, os mais pobres são alimentados com barras de proteína e apenas mais tarde descobrem como elas são feitas. No universo de Okja, a propaganda é necessária, a corporação ainda não se apoderou de todos os vagões do mundo-locomotiva.
A propaganda oculta o esmagamento dos porcos, e os animais são os próprios homens. Nesse jogo – ora político, ora de toques macabros – a menina é o ser puro, o clichê da garota cheia de recados aos mais velhos e engravatados, idealista cuja humanidade transborda pelos olhos. Por isso – também à contramão de Expresso, no qual todos estão um pouco corrompidos -, Okja é o filme mais otimista de seu diretor.
A criança descomplica, desata os nós do espaço resumido à dor e ao lucro. Faz perguntas básicas, grita por seu animal enquanto as estruturas ao lado – as metrópoles de publicidade e abatedouros – apenas asseguram a triste normalidade do mundo.
(Idem, Bong Joon-ho, 2017)
Nota: ★★★☆☆
Veja também:
Parasita, de Bong Joon-ho