A explosão de uma estrela parece-nos algo distante. Distante demais. Podemos apenas imaginá-la, um efeito fantástico que foge à compreensão dos menos apegados à astronomia. Um atropelamento e a morte de três inocentes, em uma estrada qualquer de uma pequena cidade qualquer, parece-nos rotineiro, tragédia diária, manchete de jornal.
O diretor Bartosz Kruhlik parte desses dois acontecimentos para questionar o que é realmente extraordinário – e o que preferimos normalizar quando o problema não é nosso. Sem uma personagem a nos dar conforto, ao fim de Supernova chegamos ao banco traseiro de um carro, a uma criança, à família que resolve tomar outro caminho para não ter de esperar a liberação da estrada interditada, enquanto ouve as notícias da rádio.
RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES: Facebook e Telegram
Chegamos a um momento extenso, como o da abertura, em que temos algum respiro e a impressão de normalidade ou a confirmação de nossa total cegueira. A família no carro não tem ideia das histórias à frente, das horas anteriores, dos dramas contidos naquele trecho interditado. A pequena estrada, no domingo de manhã, sintetiza o pior de sua sociedade.
O longo plano do início fornece outro desconforto pela aparente paralisia. Outra vez, Kruhlik joga com os opostos: a calmaria logo dá lugar à tragédia. Uma mulher e seus dois filhos tentam ir embora de casa enquanto o marido embriagado persegue-os. Na estrada, ele bebe, chora, tenta trazer a mulher e as crianças de volta, os inocentes que terminam atropelados.
Deitado ao lado da estrada, sobre a vegetação, o pai de família embriagado dá lugar a outra personagem, o policial chamado para verificar o caso. Ele tem ligação com a família morta e logo percebe que esse domingo não será como os outros. Calhou de ser seu dia de trabalho, o de alguém aparentemente honesto e próximo de receber uma promoção.
Para completar o baque, há o motorista do carro. Justo um político influente, corrupto, como não podia deixar de ser. Ele pede informações ao pai bêbado e, quando este vomita em seu banco, com metade do corpo para dentro da janela do passageiro, o condutor arranca em alta velocidade. É essa sucessão de erros, essa confusão entre seres tão distantes, que sela o destino dos que caminham para algum lugar novo, os inocentes.
Surpreendem a calma e o controle do diretor, sua capacidade de mimetizar o tamanho real daquele espaço e se concentrar em alguns poucos quando muitos estão em questão; a ideia de supernova retorna, mas agora em sentido oposto: o drama de Kruhlik, com roteiro que também escreveu, explode para dentro, comprime-se cada vez mais, com a impressão de que há pouco oxigênio no interior dos veículos, com a falta de foco profundo.
Entre o homem embriagado, a família morta, o policial perturbado, o delegado decidido a colocar panos quentes na situação, o político corrupto e a turba descontrolada ziguezagueia um país convulsionado – entre pessoas decididas a não aceitar mais o “jogo jogado” e as empenhadas a seguir com o teatro do poder, no qual sempre prevalece a injustiça.
Kruhlik quase coloca tudo a perder quando o político sai do carro em que é protegido por seguranças e um advogado e tenta dar sua confissão. A catarse não funciona porque trai toda a ideia do filme: em terreno de humanos tortos e fatos cotidianos extraordinários, não há espaço para redenções fictícias. Um político, mesmo após viver situações-limite como viveu, dificilmente se curvaria à própria desforra, para passantes e a imprensa.
Ao vento do helicóptero que chega, o golpe dramático e a alteração narrativa atingem seu máximo: é como se todas essas pessoas enfim se conectassem umas às outras – policiais e políticos, vítimas e vândalos – para receber o que parece ser um momento de consciência, uma pausa para pensar, uma quase intervenção divina capaz de cessar a selvageria.
Ficamos sem solução, porque ela não existe. No carro da família, a janela traseira enquadra – ou enjaula – a mesma estrada, torna-a ainda menor, cada vez mais longe, nesse dia diferente de muitos outros, ou de todos. Como se nada do que ocorreu antes nos dissesse respeito.
(Idem, Bartosz Kruhlik, 2019)
Nota: ★★★☆☆
AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também: Mimetismo, de Krzysztof Zanussi