Aconteceu em Minas: se fato real ou invenção de poeta (o Poeta, certamente), isso não se sabe, não provoca a dúvida, nem tem importância. Basta o poema, O Padre, a Moça – a poesia pode ser ou não necessária, mas se é boa, se é de Carlos Drummond de Andrade, é suficiente. E vale O Padre e a Moça, poesia repetida, melhor dizer capturada magicamente pelo cinema – nas cenas vitais, pelo menos. Esse o talento, esse o triunfo, afinal a revelação de Joaquim Pedro de Andrade, diretor.
Não aconteceu de repente. Joaquim Pedro se preparou através de outras experiências para uma oportunidade como esta. No início o documentarista, ainda amador mas já um poeta ante sua câmera – depoimento-retrato de Manuel Bandeira. Depois, a longa-metragem, o futebol, Garrincha, Alegria do Povo. Daí até O Padre e a Moça, a evolução lhe impõe a substituição do documentário pela ficção, do cinéma-vérité pelo verdadeiro cinema. A evolução é grande, sem ser brusca, as virtudes do filme não chegam a ser surpreendentes.
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Também não surpreende a evolução global em que se enquadra o caso particular de Joaquim Pedro, exatamente a aceleração do processo de maturidade do novo cinema brasileiro, que vai ultrapassando a fase da revolta indeterminada e da provocação exibicionista de alguns e das irresponsabilidades de outros. Não incluído entre os provocadores até por uma questão de temperamento, Joaquim Pedro seria dos primeiros, como foi, a orientar-se no rumo do bom cinema, não incompatível com o chamado cinema novo, desde que não se faça confusão entre escola e movimento, nem se pense que um movimento, inevitavelmente heterogêneo, possa conferir ou negar talento a todos os seus integrantes. Melhor ainda para o cinema brasileiro: Joaquim Pedro tem, nessa ascensão, vários companheiros, como Walter Lima Júnior (Menino do Engenho) e Roberto Santos (A Hora e a Vez de Augusto Matraga), para citar dois cujos filmes pertencem à mesma extraordinária safra de O Padre e a Moça.
O filme reflete disciplina e sensibilidade no estilo e na técnica, não se limitando ao êxito individual do diretor. Este, também autor do roteiro e co-montador, é quem determina o caráter da obra, mas isto não atenua, antes ressalta o trabalho de seus colaboradores, sobretudo Mário Carneiro. A fotografia não é apenas boa – também parece ter tido a intenção de descobrir a intimidade secreta dos elementos em cena; muitas vezes está focalizando menos um incidente do que um estado de espírito; em outras ocasiões é quase um personagem, como se estivesse substituindo o padre na cena de sedução – não a substituição simples e formal do cinema na primeira pessoa: talvez a câmera, aí, esteja interpretando ao pé da letra, mas destacado do contexto, o verso que diz: “porque Deus tomou o partido do padre”. Em outra cena, o vulto ao longe de moça, de branco, à noite, é deliberadamente desfocado, dando a impressão de uma chama em movimento. Também entre os atores encontrou Joaquim Pedro valiosa colaboração – Paulo José confere ao papel do padre a necessária correção, mas Helena Ignez vai mais longe: não se encontraria outra atriz que tão bem personificasse a moça e, ao mesmo tempo, exprimisse na narrativa tensa e trágica a condição de uma chama.
Correio da Manhã (3 de abril de 1966)

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