O Pecado de Todos Nós, de John Huston

O elogio ao sexo masculino encontra resistência na presença feminina, ninguém menos que Elizabeth Taylor. A enfrentá-la, o marido, homossexual reprimido, militar de alta patente, interpretado por ninguém menos que Marlon Brando. Ela exala sexualidade à medida que ele, com frequência fraco, não pode satisfazê-la. Ela recorre ao vizinho.

As dores do militar podem ser vistas nas melhores falas de O Pecado de Todos Nós, de John Huston: é o momento em que Brando afirma à esposa e ao amigo militar, amante dela, que há muito para ser dito sobre a relação entre homens. “Absoluta simplicidade. Talvez seja feio e grosseiro, mas também é limpo. Limpo como um rifle”, diz. “Existem amizades que são mais fortes do que o medo da morte. E eles nunca estão sozinhos.”

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES: Facebook e Telegram

“O cinema de Huston é macho, como ele”, escreveu Paulo Francis na ocasião da morte do diretor, em 1987. “Até quando ele retrata um homossexual (…) a masculinidade de Brando é explosiva.” Francis tem razão, o que nos faz pensar que Huston talvez não tenha sido a melhor escolha para levar às telas o livro de Carson McCullers.

Por outro lado, estamos nos domínios do militarismo e de seus efeitos – da proximidade entre homens isolados e do homem que não pode mais se esconder quando a mulher deflagra-o. Ela, tão bela e atraente, despe-se, põe-se nua, sobe as escadas e o faz sofrer. Ele odeia-a porque não pode cumprir, por completo, sua interpretação.

Vemos os homens encararem-se, a tensão, a testosterona, as exigências postas pelas posições de poder, as batidas com as toalhas molhadas para provocar o outro – o que aproxima a brincadeira dos desejos entre meninos que se descobrem – e a súbita troca de socos quando algo foge ao controle, sem explicação, a reforçar a redoma em que se está.

Huston tem a exata ideia do que é ser fraco em um universo que exige macheza. Em algum limite que suas personagens ousam cruzar, eis o militarismo, diz o realizador a partir de McCullers: um jogo de encenação cujos meandros – desejos, aflições, isolamento, camaradagem, aparente limpeza, grosseria – estão claros demais. Um mundo de homens penetrado por uma mulher (Taylor), a única capaz de sepultar os velhos códigos.

Do início ao fim, O Pecado de Todos Nós reproduz um sentimento de castração, o do homem que deseja um soldado raso (Robert Forster) e tenta controlar um cavalo pelas florestas que circundam a caserna, o mais belo animal do estábulo – que pertence à sua mulher. Ele não consegue, o animal quase o mata. Ele investe contra o bicho, machuca-o.

Quando a mulher descobre que seu cavalo favorito está machucado, volta para a festa na qual é a anfitriã, encara o marido e lhe golpeia na face. Humilha-o na frente de todos, e demonstra o que sabemos há algum tempo: ela é a personagem mais forte da obra. A poucos metros, a vizinha (Julie Harris), esposa de seu amante (Brian Keith), observa os movimentos, entradas e saídas, inclusive as do soldado raso interpretado por Forster, que invade a casa ao lado para olhar o corpo de Taylor sobre a cama.

A aparente tranquilidade inabalável e a liberdade como vive – justamente o rascunho do soldado “limpo” mas “grosseiro”, alguém cuja ousadia não ultrapassa a violação da fechadura, que não quer tomar a mulher à força – tornam sua presença ainda mais ameaçadora. A sequência na qual o militar de Brando descobre sua invasão, sob as luzes dos trovões, intermitência que o resume à perfeição, está entre as melhores.

Huston prefere o aspecto rochoso ao excesso de sensibilidade que alguns despejariam sobre o rosto de Brando. Seus homens e sua mulher perseguem cavalos com diferentes intenções nesse universo à parte captado com fotografia em tom sépia, como um livro velho, não totalmente deteriorado. Seu soldado raso cavalga nu sobre um deles. A liberdade ganha a atenção do marido e da mulher. Preso à farda, o protagonista não suporta desejá-lo.

(Reflections in a Golden Eye, John Huston, 1967)

Nota: ★★★★☆

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também:
John Huston segundo Truman Capote

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s