A Moça com a Valise, por Antonio Moniz Vianna

La Ragazza con la Valigia apresenta-nos um novo diretor. Não é o filme de estreia, mas o terceiro e realizado há quase 3 anos. O bolonhês Valerio Zurlini começou muito antes com La Ragazza di Sanfrediano, em 1954, só retornando seis anos após, com Estate Violenta. Sua prévia experiência, feita exclusivamente na área do documentário de curta-metragem, parece ter sido persuasiva, permitindo-lhe evitar os compromissos das antecâmaras dos estúdios, como ele gosta de dizer, vaidoso. Seus dois filmes inéditos lhe valeram um certo estímulo da crítica italiana; o primeiro (baseado no romance de Pratolini) sobre um “giovanotto di quartiere” convertido numa espécie de Don Juan fiorentino; o segundo comparado, talvez para efeito publicitário, a Les Amants.

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Os elogios dispensados a La Ragazza con la Valigia, no entanto, já perdem a sua função estimuladora, tornando-se sinal de condescendência. Pouco mostra o filme que possa, só ele, incluir o nome de Valerio Zurlini entre as figuras mais animadoras da nova geração italiana. A impressão ainda é a de um segundo Maselli, um sub-Bolognini, e nada à altura de um Ermanno Olmi (II Posto) ou mesmo de um Vittorio De Seta (Banditi a Orgosolo). Nem mesmo a frequência narrativa, a tensão da imagem da estreia de Damiani (II Rossetto – O Batom). A julgar pelo que nos mostrou Elio Petri, com L’Assassino, e o que vemos agora em La Ragazza con la Valigia, a nova geração italiana não é tão numerosa assim em verdadeiros valores – a menos que os filmes não exibidos de Maselli, Petri e Zurlini sejam escandalosamente superiores aos que conhecemos.

Além da beleza de Claudia Cardinale, em estado bruto como o papel manda, o filme não tem outro valor indiscutível numa história perigosa, sim, mas potencialmente interessante – um pouco no rumo de Le Blé en Herbe, se concebemos a substituição da atmosfera colettiana por elementos realistas de A Moça com a Valise (La Ragazza con la Valigia) um décor social onde Zurlini inscreve uma crítica sem objetivo claro em torno de um tema central cuja necessária poetização não poderia ser alcançada apenas com o alongamento contemplativo de certas cenas. A moça, só com a valise em Parma, é vítima de uma soma de circunstâncias entre as quais a maneira com que se desfaz dela um playboy – logo ao início da trama – não chega a ser um infortúnio. Será, no máximo, uma decepção de quem sofreu e sofrerá outras decepções. É esse incidente, ainda, o que aproxima Aida de Lorenzo (Jacques Perrin) – ingressando a história, então, no seu tema central: um amor desinteressado, puro, um primeiro amor, o que vem a sentir por ela o jovem de 16 anos.

A princípio, Lorenzo é movido por um sentimento ético, que o leva a consultar o padre: pode alguém ser responsável por atos de seu irmão? Pois foi seu irmão mais velho quem iludiu e usou Aida, largando-a com a valise na mão; e o que ele deixou de fazer, o sensível Lorenzo procura remediar, até o ponto em que tem de enfrentar a própria sociedade – representada pela tia rigorosa, pela ameaça de carta ao pai ausente, também pelos homens que desejam Aida e procuram tê-la por meio de promessas (o “conto do cinema”) ou dinheiro. A moça, tendo saído de Parma, está a ponto de prostituir-se, em Riccione, quando a chegada de Lorenzo, a decisão com que ele enfrenta, até, fisicamente, a sociedade – se a aceitamos simbolizada pelo sedutor (Riccardo Garrone) com 25 mil liras na mão – a força e o acaso que o fazem derrotar, na briga, o rival desconcertado e furioso, tudo isto salva Aida de nova e talvez irreversível concessão. Mas continua sendo impossível o amor entre os dois – ele tem de voltar para casa; ela novamente esta só, na última cena.

O pessimismo de La Ragazza con la Valigia está marcado pela própria natureza do assunto, a que Zurlini, entretanto, não dá o caráter de um problema. Serve-se, antes, de seus incidentes para, transcendendo o âmbito da crítica social, tentar atingir um plano ético, talvez para frisar a impotência dos melhores sentimentos ante uma sociedade essencialmente viciosa, ou talvez para focalizar numa reação como a de Lorenzo um ponto de esperança. Mas aquela reação é excepcional, o amor que contém a redenção é impossível – a esperança apontada por Zurlini é tão tênue quanto, infelizmente, o estilo narrativo adotado no filme. Quanto a este, sobretudo o ritmo se mantém, sempre, em frequência muito abaixo da que o assunto exigia para que pudesse responder, cinematograficamente, às intenções do diretor.

Correio da Manhã (5 de junho de 1963)

Veja também:
A Rosa Tatuada, por Antonio Moniz Vianna

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