O cinema físico em Close (e a distância dos irmãos Dardenne)

Na essência, todo cineasta é um manipulador. Seu trabalho consiste em buscar efeitos a partir de imagens para conduzir nossas emoções. Alguns conseguem sem exagero, em boa medida, sem declararem suas fórmulas: são mágicos que não deixam enxergar suas ilusões. Outros, os piores, evidenciam o truque e algo meramente mecânico.

Pensei nessas questões básicas enquanto assistia Close, o novo filme de Lukas Dhont, premiado e aplaudido em Cannes, indicado ao Oscar de filme internacional. Se por um lado conseguimos ver boa mão na condução de algumas cenas – o bom mágico, o bom truque -, por outro percebemos um manipulador em tom menor e seus escapes.

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Um de seus vícios é a corrida dos garotos. Eles estão sempre em movimento, desde os primeiros instantes: correm por um campo florido, correm de bicicleta por uma estrada, correm quando saem da escola rumo às férias. A intenção é chegar a um cinema físico, um sinal de liberdade e satisfação que o roteiro usa como enganoso, ou contraditório: esses mesmos meninos sofrem por amar um ao outro, e no fundo estão paralisados.

Sobretudo um deles. Essa é a história do adolescente Léo (Eden Dambrine), mais que a de Rémi (Gustav De Waele). A história de como um deles precisa sobreviver sem o outro, e de como o outro não consegue sobreviver sem o companheiro. Sabemos desde cedo que eles não desgrudam: vivem juntos, brincam juntos, até dormem juntos. Dhont deixa claro, mais do que em entrelinhas, que a relação ultrapassa a amizade. Eles amam-se, e até aí nada de mais.

Com a opção pelos movimentos e trombadas, ora ou outra com uma câmera na mão, o diretor explicita seu apelo à ação. Persegue um clichê: a adolescência é um período de explosões, de fugas a lugar algum e retornos aos mesmos lugares. Não deixa de ser verdade e, a certa altura, cansa. Percebemos, em Close, que não há muito mais a percorrer, não há drama para evoluir ou saturar – talvez porque o diretor esteja preso demais ao seu desejo de fazer com que tudo pareça belo, perfeito, um espaço de meninos angelicais e famílias em luto.

Ao menos ele parece saber, em algumas passagens, como capturar a calmaria e evitar que seus atores jovens forcem as expressões. Ficamos aqui com o rosto atônito de um ou outro, e com alguma dificuldade tentamos se agarrar a esses meninos confusos.

No campo do cinema físico, Dhont ainda está longe de seus compatriotas Jean-Pierre e Luc Dardenne, donos de obras fundamentais como Rosetta e O Filho, nas quais o uso das repetições beira o genial porque não está ligado somente às personagens; tem a ver também com questões sociais, com a rotina de pessoas em labirintos, em sistemas que as lançam ao trabalho infernal, à criminalidade, à intolerância. E ainda há espaço para histórias humanas de pais, filhos, meninos sem chance, garotas que fazem de tudo por um emprego. Os Dardenne sabem como incomodar e não amar demais os que se postam perante suas câmeras.

Não quero assim descartar Close, que tem seus méritos, a começar pelo bom elenco. Em cena vemos Émilie Dequenne, a atriz que interpreta o papel da mãe de Rémi. Dequenne foi lançada ao mundo em 1999, quando aterrissou em Cannes o filme que sairia daquela edição com a Palma de Ouro e renderia a ela o prêmio de melhor atriz. Justamente Rosetta.

Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 01 de março de 2023.

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também:
O Jovem Ahmed, de Jean-Pierre e Luc Dardenne

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