Bugsy, de Barry Levinson

O mafioso precisa fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo e, entre algum glamour e negócios escusos, perde-se no decorrer de Bugsy, de Barry Levinson. Em um dos melhores momentos, reveza-se entre a preparação do bolo para o aniversário da filha e a conversa, em outra sala, em um mundo à parte, com um grupo de criminosos.

Ben “Bugsy” Siegel tenta viver uma só vida. Outro desafio: ainda no início, quando vai a Los Angeles a negócios, ele sente-se atraído pelo mundo do espetáculo enquanto a ele é levado pelo colega famoso, o ator George Raft (Joe Mantegna). Observa os estúdios, o dia tornando-se noite, seus flashs, suas beldades – a começar por Virginia Hill.

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES: Facebook e Telegram

Interpretada por Annette Bening, ela entra na vida dele como um furacão. Leva tudo. É a personificação do desejo masculino, sua perdição: mesmo sabendo de todos os pecados dela, Ben não consegue deixá-la. Vai até o fim. Perde tudo, mesmo que isso não seja novidade a certa altura desse filme feito com aparente descompromisso por Levinson.

Assistimos à leveza dada ao universo dos criminosos, à aparência de que nada é perene, de que ninguém precisa fazer pose. É diferente de outros filmes de máfia. Ben, entre explosões e alguma ternura, vivido por Warren Beatty, mostra que o poder nem sempre vem acompanhado por medo e retração, por seres mumificados e inteiramente às sombras.

Ao recorrer ao cinema, com um filme gravado com sua própria leitura de um texto, para assistir sozinho na casa que comprou em Hollywood, Ben encontra sua forma para se ver – ou tentar se ver – como gostaria, mitificado, a estátua esculpida pela arte de massas de seu tempo. E mesmo nesse quesito ele fracassa: Ben é péssimo ator.

Em seus descontroles, ou em sua flagrante humanidade, temos o seu melhor, e o melhor desse filme empolgante: não há linhas certas, não há qualquer passo seguinte que possa ser previsto, não há razão que vença o instinto de um homem quando perto de uma mulher como Virginia Hill, à qual Bening, em momentos, repete sua performance de Os Imorais.

Em outra sequência na qual se desdobra, Ben entra em conflito com a amada, leva um golpe na cabeça e tem de receber um criminoso em sala à parte de sua casa. Ainda mantém o sangue na testa enquanto humilha o homem que o traiu, obrigado a imitar um cão e gatinhar em sua frente – enquanto a amante ouve tudo, espantada, do lado de fora.

Ao perceber a natureza do companheiro, ela vê-se atraída. Beija-o desesperadamente enquanto ele ainda tenta comer a comida fria preparada por ela. É um grande momento no qual Levinson, com roteiro de James Toback, do livro de Dean Jennings, mostra que é preciso se arriscar nos meandros do drama físico, a seguir um casal difícil de definir.

Se como ator Ben sabe que não pode dar certo (no fundo ele compreende isso, à medida que sua imagem na tela é apenas um espelho para se apreciar), ainda é possível levar a noção de espetáculo para outros espaços. É no deserto, na viagem com a amante e o capanga Mickey Cohen (Harvey Keitel), que ele tem a ideia de erguer um cassino luxuoso.

A semente da cidade dos jogos, Las Vegas, está dada: é sua noção de entretenimento, a possibilidade de jogar as pessoas – os ricos, sobretudo – em local isolado no qual tudo remete à ilusão. Para isso, precisa convencer investidores e mafiosos que começam com um aporte de um milhão de dólares. É só o começo. Os gastos sobem e, no meio desse gesto megalomaníaco, na casa de seis milhões, Ben termina preso.

Enquanto ergue seu grande hotel-cassino, o protagonista dá um cheque em branco para Virginia tocar a empreitada. Na cadeia, come caviar atrás das grades, conta com mordomo e telefone na cela. Tem alguns poderosos no bolso. Fica pouco tempo e, em liberdade, descobre que foi traído pela beldade alçada a um posto privilegiado de seus negócios.

Beatty é o sacana cuja alma deixa enxergar um fundo frágil. Ainda lamentamos vê-lo em sua casa, de toque blanche, tentando ser pai e marido, ou ao microfone, na noite de inauguração de seu hotel-cassino, tendo de assumir o fracasso do investimento aos primeiros convidados. No fundo, um criminoso que acreditou, por momentos, ter o mundo em suas mãos, convincente, jogador, mulherengo, apaixonado e estranhamente real.

(Idem, Barry Levinson, 1991)

Nota: ★★★★☆

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também:
O Contador de Cartas, de Paul Schrader

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s