A Rosa Tatuada, por Antonio Moniz Vianna

Em The Rose Tattoo, disse um crítico, “comédia e tragédia coexistem com a elegância de duas rosas no mesmo galho” – mas há quem não veja assim a peça, a que faltam a qualidade poética de The Glass Menagerie e o ímpeto de A Streetcar Named Desire, também sentido embora em grau menor, em Summer and Smoke. A mais controvertida das obras de Tennessee Williams – porque Caminho Real foi quase unanimemente recusada – e sem dúvida a mais ruidosa, The Rose Tattoo é também uma peça de atmosfera, sem embargo da inserção e, às vezes, do prevalecimento no drama dos incidentes humorísticos. A mood play, a mais importante tendência do teatro atual, não tem um de seus grandes instantes em The Rose Tattoo, que, como A Streetcar Named Desire, submete ao romantismo e ao simbolismo poético característico de Williams o elemento realista, mas, ao contrário de A Streetcar Named Desire, adquire um colorido não raro excessivamente berrante e se deixa balançar até quase o desequilíbrio pelo afluxo de situações grotescas.

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A moldura realista é dada pela colônia siciliana de uma aldeia da Gulf Coast, entre Nova Orleans e Mobile, cujos componentes, emigrantes ou filhos de emigrantes, ainda estão agarrados aos costumes que trouxeram; absorvem a língua, mas não perdem o sotaque, nem renunciam às exclamações de entusiasmo e às suas pragas favoritas, assim como conservam os gestos transbordantes. O ambiente, entretanto, não sufoca os personagens, que estão sempre afirmando a sua individualidade. E, como Blanche Dubois e outras heroínas de Tennessee Williams, Serafina Delle Rose é a mulher frustrada, que explora a própria frustração, agora, porém, só até certo ponto: um dia ela se liberta, dando a The Rose Tattoo o happy ending que, na obra de Williams, é coisa rara.

O filme que Daniel Mann dirigiu para o produtor Hal Wallis é o terceiro inspirado a Hollywood pelo teatro poético de Tennessee Williams. É, também, o pior – não só porque os outros saíram de peças como The Glass Menagerie e A Streetcar Named Desire, mas principalmente em virtude de não ter uma direção sensível como a de Irving Rapper e de haver entre Daniel Mann e Elia Kazan uma diferença escandalosa. Também na Broadway, em 1951, foi Mann o diretor de The Rose Tattoo – uma das poucas peças de Tennessee Williams que Kazan não quis dirigir. E no cinema, onde estreou graças ao prestígio conquistado no palco com Paint Your Wagon e Come Back, Little Sheba, Mann continua à procura de um estilo: a firmeza que evidenciou na versão cinematográfica de Come Back, Little Sheba (A Cruz de Minha Vida) talvez esteja ligada à fidelidade do script à peça original. Seu segundo filme, About Mrs. Leslie (Sombras que Vivem), é fraquíssimo. E The Rose Tattoo está pedindo, em muitas cenas, uma direção mais segura, mais pensada em termos de cinema. Todos os esforços de Mann, em várias ocasiões, parecem concentrar-se exclusivamente sobre os intérpretes – dos quais, é verdade, obtêm bom rendimento.

O próprio Tennessee Williams, como já o havia feito em A Streetcar Named Desire, subscreve o script, tornando praticamente desnecessária a “adaptação” de Hal Kanter. As alterações, por isso, não são substanciais – e se limitam à supressão ou atenuação de episódios. Williams, que diz ter escrito para Anna Magnani o papel que Maureen Stapleton criou na Broadway, veio a encontrar na tela a “ideal” Serafina Delle Rose: em sua estreia no cinema americano, a vulcânica atriz é a heroína que ama com toda a força o marido e, quando ele morre num desastre de caminhão, perde todo o interesse na vida, refugiando-se na recordação do homem, de seu corpo, “como o de um touro jovem”, que, desobedecendo sua religião, ela fez cremar, e cujas cinzas guarda dentro de uma urna em seu quarto. Três anos depois da noite do desastre, Serafina se mantém fiel a essa recordação. Quando lhe dizem que o marido idolatrado lhe fora infiel, seu desespero é tão grande que, não se contendo, ela tenta obrigar o padre a quebrar o segredo da confissão. É nesse ponto que vem a conhecer Alvaro Mangiacavallo, também chauffeur de caminhão, com “o rosto de um clown sobre o corpo de meu marido” – como ela diz, não sem um misto de surpresa e desdém – e que, para agradá-la, faz tatuar no peito uma rosa, como a do Rosario Delle Rose. A resistência de Serafina às grotescas investidas de Alvaro dura até que ela obtenha a confirmação da infidelidade do marido diante do peito nu de Estelle, a amante que o descobre, num desafio, para mostrar também uma rosa tatuada.

A peça, embora não figure entre as melhores de Tennessee Williams, poderia ter originado um filme muito melhor. Como foi feito, The Rose Tattoo vale principalmente pela interpretação de Anna Magnani e Burt Lancaster, que estão bem e no mesmo nível – porque, enquanto Magnani é convidada pelo papel a ser ela mesma ou quase, Lancaster tem de compor, inclusive com a abdicação de atributos físicos, um personagem boçal e ridículo. A também italiana Marisa Pavan, como Rosa, a filha de Serafina, confirma o talento que já havia esboçado (em Drum Beat, como índia, e Down Three Dark Streets, como cega) e que é bem maior do que o da irmã gêmea Pier Angeli. Alguns coadjuvantes merecem menção – Jo Van Fleet (a mãe em East of Eden; Vidas Amargas) e a Strega, dona do bode, Georgia Simmons. E outros vieram do elenco da Broadway: Dorrit Kelton (a professora), Augusta Merighi (Giuseppina), Rossana San Marco (Peppina) e Florence Sundstrom (a companheira de tagarelice e de “aventuras” de Jo Van Fleet). E B. Cooper, como o marinheiro que se apaixona pela filha de Serafina, não chega a comprometer.

Correio da Manhã (31 de julho de 1956)

Veja também:
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