O último filme do sueco Ruben Östlund, Triângulo da Tristeza, deu-lhe uma segunda Palma de Ouro em poucos anos. Para muitos, eu incluso, um exagero. Cannes tinha opções melhores. Mas não é filme de se jogar fora. Longe disso. Como outros do diretor, é uma crítica interessante à classe dominante e os espaços que habita.
Desde que Buñuel enclausurou um grupo de burgueses em O Anjo Exterminador, ou ainda antes, divertimo-nos com comédias que desnudam reis e rainhas, reduzem os abastados à situação-limite em que todos precisam lutar pela própria sobrevivência. Triângulo vai por esse caminho: a bordo de um navio de luxo, primeiro conhecemos alguns tipos curiosos – um casal de modelos e influenciadores, idosos donos de uma fábrica de armas, um empresário russo, os trabalhadores da embarcação, seu capitão alcoólatra – e depois somos levados à consequência natural: o naufrágio e os sobreviventes em uma ilha.
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O filme é dividido em três partes. A primeira estende a minutos intermináveis uma discussão entre o casal de influenciadores, após o rapaz se queixar da namorada, que não se adiantou para pagar a conta em um restaurante. Na segunda, as situações do barco. Na terceira, a ilha. Em cada uma, Östlund sabe como provocar mal-estar a partir de pequenos efeitos, de repetições que incluem gente vomitando, talheres tremendo e dois homens bêbados – o capitão e o empresário russo – falando de política e conflito de classes no microfone do navio, enquanto seus tripulantes esperam pelo pior. Não tinha como dar certo.
Ainda que pareça tão previsível e esquemático, Östlund vence-nos com cenas fortes e algumas surpresas do texto. Suas personagens são vazias como as de Buñuel no filme de 1962: elas não inspiram nada mais que ojeriza, sem a mínima possibilidade de alguém assumir um gesto heróico. Na luta para sobreviver, retornam a uma relação de grupo não regida mais pela força do dinheiro, mas pela capacidade de conseguir comida.
Na ilha, dos poucos que restam, entre eles o casal de influenciadores, sai uma liderança. Não é nenhum dos ricaços servidos a pratos caros do navio, mas justamente uma das criadas, uma imigrante, uma das pessoas que estavam na parte inferior da embarcação. Ela sabe pescar e fornece alimentos – só o suficiente – aos sobreviventes que pouco ou nada sabem fazer. Ela tem consciência de seu poder e passa a ter benefícios. Reina a seu modo.
Östlund não joga com as caricaturas fáceis do rico malvado e do pobre bondoso. Aprendemos a não gostar de ninguém ao longo dessa experiência pouco digesta. Seus seres humanos são patéticos e estranhamente reais – como são nos ótimos Força Maior e The Square.
Outros dois filmes recentes, produtos de Hollywood, só encontram paralelo com Triângulo na proposta de isolar pessoas ricas. A elas são dadas histórias de suspense, frases de efeito, charadas, toda a butique cristalina do cinema certinho e de encerramento “redondo”. Falo de O Menu e Glass Onion: Um Mistério Knives Out, nos quais somos apresentados a pessoas ricas e personagens astutas, capazes ainda de nos aliviar, de mostrar que é possível fugir da ilha. Östlund prefere o oposto. A experiência que proporciona é melhor.
Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 11 de janeiro de 2023.
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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