Com tantos filmes diferentes, é quase impossível definir a lista abaixo – a lista de um ano político conturbado para nós brasileiros, e sem um filme nacional (em um ano de filmes nacionais interessantes). Um punhado de obras que explora temas como a memória, o luto, a guerra, a resistência. De famosos a faces desconhecidas, teve de tudo.
A exemplo de 2021, um ano com vários filmes dirigidos por mulheres, com trabalhos que quase passaram despercebidos no cinema ou em serviços de streaming. A lista abaixo poderia ser maior, como provam as menções honrosas. Fechar em 20 tem sido, ano após ano, cada vez mais difícil. Que esse dificuldade esteja presente em 2023.
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20) O Perdão, de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha
Uma mulher descobre que o marido foi condenado à morte injustamente. A co-diretora Maryam Moghadam também faz a protagonista e é ótima atriz. O filme é uma crítica pesada ao regime iraniano.

19) Il Buco, de Michelangelo Frammartino
As imagens documentais da abertura levam-nos ao alto de um prédio. Todo o restante vai fundo em espaços nunca habitados, o interior de uma caverna nessa obra meio documentário, meio ficção, do diretor de As Quatro Voltas.

18) Great Freedom, de Sebastian Meise
Em três tempos, acompanhamos a vida de um homem na prisão. O cenário é a Alemanha pós-guerra, quando a homossexualidade era crime. No interior das celas, a amizade – e um pouco mais – entre detentos.

17) O Traidor, de Marco Bellocchio
O filme chegou com atraso ao Brasil. É sobre a trajetória do mafioso Tommaso Buscetta. Da sua prisão no Brasil à extradição para a Itália, ele resolve colaborar com a Justiça e entregar alguns chefões.

16) Nada de Novo no Front, de Edward Berger
Nova versão do famoso livro de Erich Maria Remarque. Tecnicamente brilhante, cheio de atores competentes, capaz de nos colocar – mais de uma vez – no olho do furacão, ou seja, no campo de batalha, entre lama e sangue.

15) Benedetta, de Paul Verhoeven
Como outros do mesmo diretor, o filme nasceu polêmico. Foi esnobado em Cannes e atacado por muitos. Em um convento, acompanhamos a relação da bela Benedetta com uma amiga interna, recém-chegada.

14) Titane, de Julia Ducournau
Vencedor da Palma de Ouro. Uma garota fascinada por carros mata um homem, comete outros crimes e, na fuga, muda o visual e assume a identidade de um desaparecido. Só não imaginava encontrar o afeto.

13) Dias, de Tsai Ming-liang
Outro que estrou discretamente. Uma beleza do mestre Tsai, um filme sensorial que nos leva à relação de dois homens e parece transcender o que muitos chamam de “filme gay”. É muito mais que isso. Vale a descoberta.

12) Aftersun, de Charlotte Wells
Talvez a grande surpresa do ano. Filme de uma estreante, filme de memória. Seguimos o olhar de uma mulher que lembra das férias que passou junto ao pai nos anos 1990, quando era pré-adolescente e fazia descobertas.

11) Memória, de Apichatpong Weerasethakul
A memória, outra vez. Não a que “volta”, mas a que “ataca”. E não por imagens, mas pelo som. Na Colômbia, uma especialista em orquídeas quer descobrir o que significa um estranho som que apenas ela ouve.

10) Klondike – A Guerra na Ucrânia, de Maryna Er Gorbach
Os conflitos em Donbass, na Ucrânia. Ao centro, um homem que flerta com os separatistas e sua mulher grávida. Um filme que confronta a velocidade das armas e dos ataques com movimentos lentos de câmera.

9) Armageddon Time, de James Gray
Enquanto o Oscar prepara-se para indicar e premiar filmes ruins como Elvis e Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, como tem sido comum, deixa passar um dos melhores filmes americanos do ano. Gray acertou de novo.

8) O Acontecimento, de Audrey Diwan
A garota descobre que está grávida. Seguir com a gravidez significa colocar sua vida de cabeça para baixo, ser a mulher que ela não quer ser. Por isso, decide abortar. Esse grande filme mostra sua corrida contra o tempo.

7) Licorice Pizza, de Paul Thomas Anderson
O casal está sempre fugindo de algo. Em cena, ela esconde alguma imaturidade e ele parece mais maduro do que a idade indica. História de amor rara, dirigida por um dos melhores cineastas em atividade.

6) Até os Ossos, de Luca Guadagnino
Guadagnino guia-nos pelas estradas americanas junto de dois jovens canibais em um filme impressionante, no qual nada está fora do lugar, no qual nada é previsível. Destaque para a jovem Taylor Russell.

5) Roda do Destino, de Ryusuke Hamaguchi
Três histórias sobre o poder da narrativa, permeadas pelo inesperado, pelos diálogos certeiros do talentoso Hamaguchi, mais lembrado pelo premiado Drive My Car, da mesma época. Um filme de reencontros, de mulheres.

4) A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos
Em um ano com muitos filmes sobre a memória, nenhum deles a explorou com tanta profundidade como este exercício pessoal da portuguesa Catarina Vasconcelos, ao mergulhar na vida de seus antepassados.

3) Drive My Car, de Ryusuke Hamaguchi
Hamaguchi de novo. Em três horas que passam voando, com pessoas cheias de cicatrizes. História de luto, de um ator que não consegue esquecer a amada morta, prestes a estrear uma adaptação de Tchecov.

2) O Contador de Cartas, de Paul Schrader
Os fantasmas da guerra retornam à vida do jogador vivido por Oscar Isaac. Schrader volta a beber na fonte de Bresson ao nos impor um protagonista recluso, dono de suas regras, de seus próprios códigos morais.

1) A Mulher de um Espião, de Kiyoshi Kurosawa
A mulher ama o marido e o redescobre. O marido talvez ame sua mulher, mas não pode abrir mão de suas inclinações políticas. O tempo de extremos impõe seu peso. O jogo está dado. Kurosawa é grande.

E mais dez menções honrosas: Não! Não Olhe!, de Jordan Peele; Um Herói, de Asghar Farhadi; Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental, de Radu Jude; Crimes do Futuro, de David Cronenberg; Argentina, 1985, de Santiago Mitre; A Tragédia de Macbeth, de Joel Coen; Un Autre Monde, de Stéphane Brizé; Pinóquio, de Guillermo del Toro e Mark Gustafson; Red Rocket, de Sean Baker; Lamb, de Valdimar Jóhannsson.
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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