Na sexta-feira, 5 de dezembro de 1930, a primeira exibição pública de Sem Novidade no Front na Alemanha foi programada para um cinema de Berlim chamado Mozartsaal. Os nazistas haviam comprado cerca de trezentos ingressos para a sessão das 19h, e muitos outros membros do partido aguardavam do lado de fora. A confusão começou quase imediatamente. Quando o professor [em cena do filme] fez o discurso incentivando os alunos a irem para a guerra, algumas pessoas da plateia começaram a gritar. Quando os soldados alemães foram forçados a se retirar pelos franceses, a gritaria ficou mais discernível: “Os soldados alemães eram corajosos. É uma vergonha que um filme ofensivo como esse tenha sido produzido nos Estados Unidos!”, “Abaixo esse governo da fome que permite um filme desses!”. Por causa do tumulto, o projecionista foi obrigado a parar o filme. As luzes da sala foram acesas e Goebbels [futuro ministro da Propaganda na Alemanha Nazista] fez um discurso na primeira fileira do balcão superior, no qual afirmou que o filme era uma tentativa de destruir a imagem da Alemanha. Seus companheiros esperaram que ele terminasse e então jogaram bombas de fedor e soltaram ratos brancos no meio da multidão. Todos foram correndo para a saída e o cinema foi colocado sob guarda.
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Nos dias que se seguiram, as ações dos nazistas obtiveram um apoio popular significativo. Tudo parecia a seu favor. Logo após os distúrbios no sábado, 6 de dezembro, a questão foi levada ao Reichstag, e um representante do Partido Nacionalista Alemão apoiou Hitler. No domingo, Sem Novidade no Front foi retomado no Mozartsaal sob forte proteção policial e, na segunda-feira, os nazistas reagiram com mais manifestações. Na terça-feira, tanto a Federação Alemã de Proprietários de Cinemas como a principal entidade estudantil da Universidade de Berlim se pronunciaram contra o filme. Na quarta-feira, o chefe de polícia de Berlim, Albert Grzesinski, que era social-democrata, decretou uma proibição de quaisquer manifestações ao ar livre, e o principal jornal nazista respondeu “Grzesinski está protegendo esse vergonhoso filme judeu!”. Mais tarde nesse dia, os membros do gabinete alemão assistiram a Sem Novidade no Front nos escritórios do Conselho de Cinema. Até esse momento, o ministro do Interior e o ministro do Exterior haviam aprovado o filme, apenas o ministro da Defesa havia colocado objeções.
A situação chegou a um clímax na quinta-feira, 11 de dezembro. Incentivados pelas ações nazistas, cinco estados – Saxônia, Braunschweig, Turíngia, Württemberg e Bavária – apresentaram petições para proibir Sem Novidade no Front. Às 10h daquele dia, o mais alto conselho de censura do país reuniu-se para definir o destino do filme. Vinte e oito pessoas estavam presentes, um número bem maior do que qualquer uma dessas reuniões conseguira reunir antes ou viria a fazê-lo depois. O conselho era formado pelo dr. Ernst Seeger, censor-chefe da Alemanha; Otto Schubert, representante da indústria de cinema; dr. Paul Baecker, editor de um jornal agrário nacionalista, professor Hinderer, teólogo; e senhorita Reinhardt, professora primária e irmã do falecido general Walter Reinhardt. Também estavam presentes representantes dos cinco estados que haviam protestado e os delegados da Defesa, do Interior e do Ministério do Exterior. O advogado da Universal Pictures, dr. Frankfurter, estava acompanhado por um major aposentado e por dois diretores de cinema.
Com todos apertados na sala de projeção, e pelo segundo dia seguido, Sem Novidade no Front foi projetado. Seeger então perguntou a opinião daqueles cinco estados que haviam apresentado queixa por se oporem ao filme. Cada representante deu seu depoimento, e Seeger contou um total de três objeções: o filme ofendia a imagem da Alemanha; era um perigo à ordem pública; e se fosse permitido, então o resto do mundo iria pensar que a Alemanha aprovava a versão ainda mais ofensiva apresentada no exterior. Essas objeções haviam sido formuladas cuidadosamente dentro da lei de cinema alemã, que proibia filmes que “colocassem risco à ordem pública, ofendessem crenças religiosas, provocassem alguma ameaça ou efeito imoral, ou fossem um risco à imagem alemã ou às relações da Alemanha com outras nações”.
Seeger voltou-se, então, para o delegado do Ministério da Defesa, o lugar-tenente da marinha Von Baumbach, e pediu que comentasse a primeira objeção. Von Baumbach começou dizendo que após a guerra as diversas nações do mundo haviam trabalhado arduamente para estabelecer relações amistosas com a Alemanha. No entanto, havia uma área em que o espírito do Tratado de Locarno não conseguira penetrar: “a área do cinema!”. Os americanos continuavam fazendo filmes que ofendiam a imagem alemã. Von Baumbach deu alguns exemplos de Sem Novidade no Front: os soldados alemães, disse ele, constantemente choravam de medo; suas faces eram mostradas sempre distorcidas; eles comiam e bebiam como animais; e só se mostravam animados quando matavam ratos a pancadas. Essas imagens elaboradas podem parecer aceitáveis à primeira vista, mas eram danosas à Alemanha, e se Carl Laemmle da Universal Pictures não gostou dessa opinião, então alguém deveria ter-lhe perguntado: “Por que vocês produzem agora mais um filme de guerra que não pode ter a mesma versão projetada na Alemanha e no resto do mundo?”.
O representante do Ministério do Interior, dr. Hoche, então tomou a palavra. Ele disse que Sem Novidade no Front continha tantas imagens de morte e derrota que deixava os espectadores alemães agoniados e deprimidos. Em épocas mais tranquilas, isso talvez não fosse problema. Mas o destino do filme não podia ser determinado no vácuo. Obviamente, o povo alemão vivia um período de profunda aflição psicológica e de conflito interno. A crise econômica ganhava corpo e havia ainda dívidas de guerra a serem pagas. O problema não era que alguns poucos grupos extremistas estivessem artificialmente exaltando os ânimos; mas sim que Sem Novidade no Front se apoderara da genuína ansiedade de um grande número de pessoas. A fim de preservar a ordem pública, o filme devia ser tirado de exibição na Alemanha.
Tudo isso era mais do que suficiente para Seeger. Ele não tinha vontade de examinar cada uma das objeções ao filme. Se pudesse mostrar que o filme transgredia um único aspecto da lei, então todos poderiam ir para casa. Ele começou seu julgamento destacando que Sem Novidade no Front continha estereótipos alemães prejudiciais. A ação perversa do sargento Himmelstoss de afundar os garotos na lama representava uma rude agressão alemã e dava ao espectador a impressão de que a Alemanha era responsável pela eclosão das hostilidades. E enquanto os soldados franceses morriam de maneira tranquila e corajosa, os alemães ficavam sempre uivando e berrando de medo. Portanto, Sem Novidade no Front não era uma representação honesta da guerra, mas uma representação da agressão e da derrota alemãs. O público, é claro, reagira desaprovando. Independentemente da filiação política de cada um, o filme ofendia toda uma geração do povo alemão que havia sofrido tão terrivelmente ao longo da guerra. Seeger proibiu Sem Novidade no Front com base na ideia de que prejudicava a imagem da Alemanha e disse que não era preciso fazer maiores considerações.
Assim, seis dias após os protestos em Berlim, Sem Novidade no Front era retirado das telas da Alemanha. “A vitória é nossa!”, proclamou o jornal de Goebbels.
Ben Urwand, escritor e acadêmico, em O Pacto Entre Hollywood e o Nazismo (Editora Leya; pgs. 35-39).

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Bergman e o nazismo