A primeira versão de Perfume de Mulher

Por Geraldo Galvão Ferraz

É lamentável, mas a primeira coisa que se deve dizer a respeito de Perfume de Mulher de Dina Risi é que ele, provavelmente, nunca seria lançado em vídeo aqui, não fosse o sucesso do remake americano, de Martin Brest, com Al Pacino. Risi não tem o mesmo cacife de Fellini ou Antonioni, embora tenha feito filmes de grande êxito de público e de qualidade inegável, como Aquele que Sabe Viver ou o injustamente esquecido Telefones Brancos. Assim, as distribuidoras brasileiras, que já não morrem de amores por cinema europeu, não têm filmes de Risi em catálogo.

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Ele, que já foi chamado de “o Antonioni da comédia”, mostra em Perfume que é um diretor competente e sensível na mistura do trágico e do cômico. Contando com um ator excepcional, Vittorio Gassman, faz do personagem, o ex-capitão Fausto, cego por um acidente – brincava com uma bomba -, um retrato cheio de nuances de um homem amargo e revoltado, que busca esquecer por instantes a sua deficiência, com a bebida, o sexo comprado, a agressividade e o humor cáustico. Gassman não faz, como Pacino, apenas uma interpretação virtuosística de um cego. A atuação do italiano é muito superior, pois além de convencer como desprovido de visão, ele consegue transmitir uma sensação do cego que “vê” as coisas do seu espaço interior. Na conversa com o primo padre, Fausto dá uma dica a respeito, quando fala do mundo que o cego concebe com a imaginação. Claro que sem levantar suas defesas, dizendo que se lhe fosse dado ver Roma, só veria pedras, não a paisagem majestosa da cidade.

O filme conta a história de uma peregrinação, como se o cego quisesse fazer uma última viagem pelas cidades, de Turim a Genova, Roma e Nápoles. Para isto, ele mobiliza a companhia de um jovem recruta, a que chama de Ciccio (o ótimo ex-ator juvenil Alessandro Momo), ingênuo e inexperiente, a quem, na verdade, ensina a ver o mundo. Fausto é também um homem misterioso, que carrega uma foto de mulher e uma arma na mala. Ao longo da viagem, o recruta descobre que há uma tragédia em perspectiva. Mas antes dela, há cenas inesquecíveis pelo humor.

No clímax, em Nápoles, Fausto vê demolidas as muralhas que construiu. Sua arrogância desaparece. Gassman mostra sua versatilidade apresentando o cego como um ser debilitado e dependente, não só fisicamente. Ele descobre, após abandonar tudo e todos, que no amor rejeitado até então está a única esperança. E se abandona ao prazer de usufruir do perfume de mulher de Sara, o que no caso, em se tratando de Agostina Belli, é um prêmio e tanto.

O Estado de S. Paulo (“Sucesso do remake resgata ‘Perfume’ original”; Caderno 2; 19 de maio de 1993).

Veja também:
O Franco Atirador, por Luis Fernando Verissimo

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