A terra, o chão, o solo. Diferentes palavras conduzem ao mesmo ponto, ao essencial para a família de imigrantes coreanos no Arkansas, Estados Unidos, anos 1980. A terra é o elemento com o qual nos identificamos, nosso lar. O chão é servil, suporta nosso peso. O solo é a superfície da crosta terrestre, de onde extraímos o que nos serve, água ou alimento. As três denominações podem ser vistas ao longo do tocante Minari: Em Busca da Felicidade, de Lee Isaac Chung.
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E às três, em algum momento, suas personagens terão de voltar para aprender algo. Antes de se ter a terra se tem seu solo, ou menos: seu chão. Difícil encontrar o lar, o espaço da existência. O filme tem início com a chegada da família à nova propriedade. O marido apresenta à mulher a casa sobre rodas, posta ali, não construída; ela estranha, precisa se esforçar para entrar na moradia. O primeiro obstáculo está dado.
Caminham por aquele chão, trabalham ali, vivem para o local: Jacob (Steven Yeun), o pai de família, não conhece bem o solo, mas acredita que pode, com inteligência, perfurá-lo para encontrar água. Os americanos ao redor oferecem um serviço conhecido e praticado por todos: o uso de um graveto para achar o ponto a ser penetrado.
Compreendemos os coreanos: por que acreditar que tal método dá certo? Jacob segue suas crenças, desconfia, divide-se entre o trabalho com a plantação em sua nova terra e outro em uma empresa de frangos, onde separa, o dia todo, os pintinhos machos das pintinhas fêmeas. O mesmo faz sua mulher e outros imigrantes, confinados em um galpão com pouca luz.
A mulher, Monica (Yeri Han), não está feliz: o chão ainda não se converteu em terra, e o solo serve apenas à ambições do marido – ambições que, julga ela, logo estarão à frente da própria família. O casal sofre, quase se separa enquanto é visto pelos filhos, David (Alan S. Kim) e Anne (Noel Cho). Os descendentes conhecem pouca terra para além daquela.
David tem problemas no coração. Ao caminhar ou correr mais do que está acostumado, sente suas batidas no peito; à mãe, pede para ouví-las com o uso do estetoscópio. A difícil adaptação dos adultos é assistida pela criança que descobre suas fragilidades – sobretudo a possibilidade da morte – à medida que precisa aprender a não urinar na cama.
A chegada da avó (Yuh-Jung Youn) traz outra perspectiva ao pequeno David: alguns idosos carregam a estranha sabedoria que torna tudo mais fácil. De repente, convertem-se em crianças, atropelam regras. Ensinam pelo contraexemplo. Não é necessário ter medo do riacho perto da casa, o qual, dizem os adultos, possui cobras. Com a avó, o garoto aprende a viver à sombra do inevitável: do coração frágil, do próprio fim.
Em uma época na qual os Estados Unidos viram-se livres de um presidente inclinado a impor muralhas para combater o imigrante, Minari mostra que o chão pode ser feito terra mesmo por aqueles que ali não nasceram. O estrangeiro tem problemas comuns, necessidades comuns, como qualquer outro – a se assustar, inclusive, com as atitudes dos “nativos”, a exemplo do fanático religioso que carrega uma cruz para pagar seus pecados.
Uma terra de dor – de estranhamento também – é reproduzida nas expressões de Will Patton. Tão perto dele, nada sabemos. O “nativo” é agora o estranho, às vezes o ridículo, o qual temos nossos motivos para observar – como observam as crianças, também os adultos – com olhos de medo. Figura excêntrica, sempre bondosa.
A leveza das imagens do diretor de fotografia Lachlan Milne é seguida pela profundidade da trilha sonora de Emile Mosseri. Entre o visual e a música fica a direção comedida. O sinal de esperança não é superado por alguma derrota pontual, para algum acidente ou ação da natureza. Não há vilões. Há apenas a terra, os humanos e suas adaptações.
(Idem, Lee Isaac Chung, 2020)
Nota: ★★★★☆
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

Veja também:
Além das Palavras, de Terence Davies