É claro, em seu auge, os filmes são anti-literatura e, como um meio, não pertencem aos escritores, nem aos atores, mas aos diretores, alguns deles, certamente um deles – John Huston -, antes disso aprendizes de redator de estúdio. Huston disse:
– Eu me tornei diretor porque não suportava mais ver meu trabalho destruído.
Mas essa não pode ter sido a única razão; esse sujeito esguio, calmo, que poderia ser um caubói como os que imaginou Aubrey Beardsley, tem em abundância aquele desejo de comandar que Zavattini tanto desaprova.
O trabalho de Huston e o jeito do homem que ele parece ser são inseparavelmente relacionados, seus filmes desenham os contornos de sua paisagem mental privada (como Eisenstein, Ingmar Bergman, Jean Vigo) num certo aspecto comum à profissão, sendo os filmes, a maioria deles, operações objetivas que não revelam as preocupações subjetivas de seus criadores; portanto, talvez seja permissível mencionar nesse estilo pessoal a pessoa estilizada de Huston – sua suavidade habilidosa exposta como inexperiência jocosa, o riso sincero que aflora e soa sem nunca atingir seus olhos cercados por rugas e tão duros, olhos entediados como lagartos ao sol; a sedução determinada de seus olhares confidenciais e de sua camaradagem do tipo homem para homem, tudo promovido tanto para seu próprio benefício quanto para o da plateia, para camuflar um vácuo refrigerado de sentimento ativo, porque, como é verdadeiro para todo sedutor clássico, ou encantador, se você preferir, o sucesso da sedução depende de o sedutor nunca sentir, nunca se tornar emocionalmente inserido; porque se envolver seria abrir mão do controle da situação, da “cena”; assim, ele é um homem de obsessões em vez de paixões, e um cínico romântico que acredita que toda empreitada, virtuosa ou diabólica ou simplesmente lenta, recebe os mesmos honorários: um cheque no valor de zero. O que isso tem a ver com seu trabalho? Alguma coisa. Considere a trama do primeiro e ainda melhor filme dirigido por Huston, O Falcão Maltês, no qual a motivação recebe a contribuição valiosa de um presente na forma de um falcão, um tesouro pelo qual os principais participantes traem uns aos outros, matam e morrem – só para descobrir que o falcão não é um item valioso e genuíno, mas uma farsa habilmente conduzida, uma trapaça. Esse é o tema, o dénouement, da maioria dos filmes de Huston, de O Tesouro de Sierra Madre, no qual o ouro pelo qual o garimpeiro até matou é levado pelo vento, de Moby Dick, aquela temida afirmação sobre a derrota do homem. De fato, Huston parece raramente ter sido atraído por material que não aceitasse o destino humano como uma piada infeliz, um enredo confiante sem nenhum segredo escondido; até os roteiros que ele escreveu ainda jovem – por exemplo, High Sierra e Juarez – confirmam sua predileção. Como muita arte, a dele, e ele pode ser um artista quando quer, é em grande parte o resultado compensatório de uma falha no homem: a lacuna emocional que o leva a ver a vida como uma trapaça (porque quem engana também é enganado) é o fator irritante que produz a pérola; e seu pagamento tem sido, em termos humanos, ser ele mesmo uma espécie de falcão maltês.
Ensaio escrito em 1959 para Observações (com Richard Avedon), publicado no Brasil no livro Truman Capote – Ensaios (Editora Leya; pgs. 262 e 263; tradução de Débora Isidoro).
No cabeçalho, John Huston.
Veja também:
Fantasmas ao sol: a filmagem de A Sangue-Frio, por Truman Capote

