Um filme político sobre a máfia

Os criminosos agem como políticos e homens do mercado financeiro quando suas estruturas são abaladas por bandidos menores. Em O Homem da Máfia, eles recorrem aos seus chefes para que os negócios voltem a funcionar e dar lucro.

Uma casa de jogos mantida por esses criminosos é como um banco gerido pelo sistema financeiro no filme de Andrew Dominik. Quando alguém resolve jogar baixo e saqueá-la, os homens do topo da pirâmide vão ao seu socorro. Qualquer semelhança com o que vimos na crise econômica de 2008 não é coincidência.

Abertura
A primeira imagem mostra um dos assaltantes caminhando sozinho por um túnel, depois entre papéis picados levados pelo vento. Começa no escuro, com um som irritante entrecortado pelo discurso de Barack Obama, que viria a se tornar presidente dos Estados Unidos e cujas palavras, as de um vitorioso, retornam ao fim.

O bandido (Scoot McNairy) encolhe-se em sua jaqueta, tenta escapar do frio; seu rosto contorcido revela a composição da maior parte dos homens em cena: seres pequenos, enrugados, pessoas reais à frente de um cenário de faroeste, de casas abandonadas. A primeira personagem dá espaço às propagandas dos candidatos à presidência na ocasião, John McCain e Obama. A do segundo estampa a palavra “Mudança”.

O filme de Dominik funde mensagens políticas diretas, ao fundo, em propagandas e discursos na televisão e no rádio, às ações criminosas de seus bandidos, capangas e, claro, do matador de aluguel vivido por Brad Pitt.

O assalto
Com outro ladrão barato, interpretado na medida por Ben Mendelsohn, Frankie (McNairy) aceita assaltar uma casa de apostas. A situação é complicada: é o caso de bandidos roubando bandidos, de dois homens visualmente frágeis e pouco preparados confrontando um grupo de apostadores com alguma vivência nesse universo.

Assaltar a casa é tão fácil como tomar um bom empréstimo bancário: o local está aberto, sem vigia, e o dinheiro será entregue em duas malas. A perda de volumosa quantia traz instabilidade: outras casas de apostas, com medo, resolvem fechar momentaneamente. Os pequenos criminosos terminam por abalar o negócio dos graúdos.

A televisão ao fundo, durante o assalto, transmite um discurso do ex-presidente George W. Bush. Mesmo sem estampar seu rosto, e mesmo sem o som constante de sua voz, é parte da composição dessa bela sequência, na qual Frankie, com luvas amarelas e máscara improvisada, mira a espingarda de cano serrado contra o bando de homens que não diz uma palavra sequer. As palavras são de Bush, na televisão, tentando dar explicações sobre a quebradeira no sistema financeiro.

O país é um negócio
Para devolver a calmaria ao mercado do crime, os mafiosos contratam um matador de aluguel (Brad Pitt) para caçar os ladrões. No encerramento, depois de cumprir sua missão, ele vai a um bar receber o pagamento das mãos de seu contratante, interpretado pelo ótimo Richard Jenkins. A fala do pagador é propositalmente ponderada, como a de um empresário.

Do lado de fora do bar as pessoas comemoram com fogos de artifício a vitória de Obama. Dentro, enquanto o matador conversa com o outro homem, o novo presidente do país mais rico do mundo tem seu discurso transmitido pela televisão. O assassino logo ironiza. Diferente de um matador robótico, a personagem de Pitt lança opiniões sobre sua própria nação e as mentiras sob um discurso de união e democracia.

Ela relembra Thomas Jefferson e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, com destaque à passagem que diz que “todos os homens são criados iguais”. Estão, contratante e contratado, em um bar com pouca luz, à direita da televisão que passa as imagens de Obama, de frente à bandeira americana. Os contrastes da cena reforçam a falsidade do discurso político, de presidente a presidente, sobre união e democracia.

“Vivo nos Estados Unidos e aqui é cada um por si. Os Estados Unidos não são um país, são negócios. Agora, pague-me”, ordena, nas linhas finais, o matador de aluguel.

(Killing Them Softly, Andrew Dominik, 2012)

Nota: ★★★★☆

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

Veja também:
Onde os Fracos Não Têm Vez, de Ethan e Joel Coen

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