Dez grandes filmes de Alain Resnais, segundo ele mesmo

É esclarecedor ler os mestres. Ao mergulhar nas palavras de Alain Resnais sobre sua própria obra percebemos o quanto esse autor inquieto deixou, de forma proposital, as mais variadas possibilidades de interpretação para seus filmes. Selecionamos abaixo dez falas sobre dez atos do diretor.

Noite e Neblina (1955)

Se não esquecemos, não podemos viver, nem agir. O problema se colocou para mim quando fiz Noite e Neblina, pois não se tratava de fazer mais um monumento aos mortos, mas de pensar no presente e no futuro. O esquecimento deve estar em construção. Ele é necessário no plano individual, como plano coletivo. O que é preciso sempre, é agir. O desespero é a falta de ação, dobrar-se sobre si mesmo. O perigo é se paralisar.

Clarté n° 33, fevereiro de 1961

Hiroshima, Meu Amor (1959)

Pensávamos em tentar uma experiência com um filme no qual os personagens não participariam diretamente da ação trágica, mas ou se lembrariam dela ou a experimentariam na prática. Queríamos criar, de alguma forma, anti-heróis […] Assim, o japonês não viveu a catástrofe de Hiroshima, mas possui dela um conhecimento intelectual, uma consciência que ele compartilha com os espectadores do filme, podendo fazer-nos sentir o drama de dentro, experimentando-o coletivamente, mesmo sem jamais ter posto os pés lá. Percebi, com espanto, que alguns quiseram pôr na mesma balança a bomba e o drama de Nevers, como se um fosse equivalente do outro. Mas não é nada disso. Ao contrário, opomos o aspecto imenso, enorme, fantástico de Hiroshima à minúscula história de Nevers, que nos é refletida através de Hiroshima, da mesma forma que a chama de uma vela é refletida maior e invertida por uma lente.

Cinéma 59 nº 38, julho de 1959

O Ano Passado em Marienbad (1961)

Durante minhas primeiras conversas com Robbe-Grillet, sugeri que o filme fosse projetado em sessões contínuas, sem créditos. Quando o espectador considerasse o nível de emoções suficiente, ele poderia sair da sala. Alain Robbe-Grillet me disse: “Tudo bem, mas mesmo assim direi a meus amigos para chegarem num momento preciso”.

Vertigo n°1, 1987

Muriel (1963)

Foi a própria Muriel que nos convocou. O filme desenvolveu-se como uma planta, os personagens começaram a viver um pouco independentemente de nós. Pense numa carta recolhida num mata-borrão: o filme é este mata-borrão, o espelho que restabelecerá uma eventual leitura será o público. Muriel apareceu através destas manchas de tinta.

Citado por Robert Benayoun, Positif n° 56, novembro de 1963

A Guerra Acabou (1966)

Diego não é um herói exemplar e o filme o expõe num momento de crise no qual as perguntas ficam, às vezes, sem resposta. A ação de Diego é baseada no fato de a situação espanhola modificar-se rapidamente e de só podermos alterar aquilo que conhecemos sem ilusões estéreis. As cenas de amor são inutilmente eróticas? Mas sem amor, Diego não poderia tornar-se um herói, porque, depois de tudo, o que teria ele a defender? Quis mostrar que um casal pode ainda ser feliz depois de uma longa vida em comum e não vejo nessas sequências senão a exaltação de sentimentos muito bons. […] hoje, relembro as palavras de Cocteau: “Quando pintamos uma tela branca ela indaga o que lhe aconteceu”. A Guerra Acabou é um filme sobre as relações entre a vida cívica e a vida sentimental. […] É também um filme sobre a escolha: o personagem central é forçado a tomar perpetuamente decisões importantes e isso é estafante.

Filme Cultura, janeiro/fevereiro de 1967

Eu Te Amo, Eu Te Amo (1968)

Mas na realidade, não me parece que Eu Te Amo, Eu Te Amo seja um filme de ficção científica. Claro que ao fazer este filme, aconteceu-me de pensar várias vezes que a habilidade suprema seria guardar a mesma construção, descobrindo pouco a pouco que o herói encontra-se numa máquina do tempo. Durante a montagem, fizemos várias experiências: divertimo-nos fazendo uma montagem cronológica, suprimindo a introdução – isto, durante um dia ou dois. Percebemos então que já não havia qualquer emoção.

Jeune Cinéma nº 131, maio de 1968

Providence (1976)

É um título que me foi sugerido por Klaus Hellwig e Yves Gasser, meus produtores. […] Primeiramente, é o nome da propriedade na qual um dos personagens principais termina seus dias. Mas na medida em que este homem é um escritor idoso, em plena elaboração do que poderá vir a ser seu último romance, podemos dizer, e este é o segundo sentido do título, que ele se porta com seus personagens como as mãos da Providência, de uma Providência muitas vezes sarcástica, mas que nem sempre consegue fazer tudo o que quer. De fato, ele reinventa seu passado, misturando todos os lugares que conheceu anteriormente. Ele utiliza como heróis de ficção todos os seus próprios familiares e amigos, que nem por isso obedecem aos caprichos de sua fantasia. Uma das questões que o filme coloca é a seguinte: somos quem pensamos ser ou tornamo-nos apenas aquilo que os outros fazem de nós, a partir de seus julgamentos?

Positif n° 190, fevereiro de 1977

Meu Tio da América (1980)

Cada espectador tem o direito de compreender meu filme a seu modo, usando de suas próprias lembranças e associações. O que eu desejo lhe propor com Meu Tio da América, são os elementos, os mais claros possíveis, para construir livremente o filme que lhe agrada, e se reconstruir, a si mesmo, diante do filme. Se possível, se divertindo.

Dossiê de divulgação do filme no Brasil, 1981

Medos Privados em Lugares Públicos (2006)

Adoro o teatro de Alan Ayckbourn. Por um lado, há o burlesco, a extravagância e, por vezes, a ferocidade. E por outro, há a compaixão, a ternura pelas fraquezas de seus personagens. Quando vemos uma de suas peças, nunca sabemos se ela vai acabar em selvageria.

Les Inrockuptibles, 14 de novembro de 2006

Ervas Daninhas (2009)

Os personagens do romance em que o filme se baseia realmente me fazem pensar no crescimento das ervas, porque suas sementes ou pólens caem em lugares sem esperança de que vão gerar vida. Na beira das casas das cidades, às vezes vemos uma vegetação que está fora de lugar, sem condições, mas mesmo assim continua crescendo. Ambos os personagens não tinham qualquer razão para se apaixonar, eles nem mesmo queriam. Mas o sentimento persiste. É como uma semente que se abriga dentro de uma parede de pedra e consegue empurrar a parede até sair, avançar em direção do Sol e se tornar uma árvore. Em alguns casos, as raízes se desenvolvem tanto que conseguem demolir a parede de pedra.

O Globo, 23 de janeiro de 2010

Com exceção do último depoimento, todos os outros foram retirados do catálogo da retrospectiva Alain Resnais – A Revolução Discreta da Memória, do Centro Cultural Banco do Brasil.

Imagem do cabeçalho: o ator John Gielgud e o cineasta Alain Resnais nos bastidores de Providence.

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3 comentários sobre “Dez grandes filmes de Alain Resnais, segundo ele mesmo

  1. `Prezado Rafael

    Em que pese o reconhecimento de Alain Resnais por parte da crítica como um dos maiores cineastas da história, nenhuma de suas maiores obras – Hiroshima, Meu Amor (1959) e O Ano Passado em Marienbad (1961) – figuram na última lista (2012) dos “100 melhores filmes de todos os tempos” da Sight and Sound/British Film Institute. Que explicação você teria para isso? Seria uma possível restrição por parte do “establishment” em função de ambas serem obras “compartilhadas”, o primeiro com Marguerite Duras e o segundo com Alain Robbe-Grillet?

    Saudações de um admirador de seus comentários

    Amauri Costa, Pelotas, RS.

    1. Olá Amauri. Acho que o Resnais acaba polarizando mesmo. Não é fácil embarcar nele. Agora mesmo estava lendo um ensaio da Susan Sontag, no qual ela faz críticas negativas a seus filmes mais cultuados. Vejo que há quem gosta de Hiroshima, mas nem tanto de Marienbad, e vice-versa. E no caso da Sight and Sound, é um grupo enorme de críticos, o que torna ainda mais difícil tentar entender os motivos. De qualquer forma, pelo menos um do Resnais, acho eu, deveria estar nessa lista (muito boa, por sinal). Na minha lista de 250 eu coloquei o Hiroshima. Grande abraço e feliz em tê-lo por aqui.

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