No palácio de corredores e quartos sem fim, de estátuas e belos ornamentos, de filhos presos e um marido paralisado em sua necessidade de ser – como todos – o que pede a tradição, Diana (Kristen Stewart) está prestes a explodir. A história da princesa em seu castelo toma rumo oposto àquele que tanto contavam em nossa infância.
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O palácio é agora um lugar frio, sem vida, de pessoas vigilantes e com pouco a dizer. Em Spencer, um espaço em que a família nunca é descontraída, em que tudo é calculado: a comida trazida pelos militares no início das festividades de natal, as roupas etiquetadas e escolhidas por um figurinista para cada ocasião, os horários estabelecidos para que todos estejam prontos, pontualmente, antes da aparição da rainha.
Entendemos rapidamente por que Diana não consegue mais estar ali: a bela “intrusa” tornou-se uma peça para compor um quadro, a parte de um teatro de autômatos que precisam responder a estímulos da entidade maior – e que nunca vemos – chamada Coroa. Por isso, é mais fácil culpar a tradição para tentar compreender essas engrenagens.
A princesa tem em seu caminho a rainha (Stella Gonet) e o militar (Timothy Spall) cuja função é fazer as coisas funcionarem, além de impedir que Diana seja fotografada na janela ou em uma de suas escapadas. O mal está incrustado o suficiente para que seja quase naturalizado, como se apenas a sofrida Diana pudesse senti-lo.
Enquanto tenta chegar ao castelo – ao qual foi outras vezes, em natais anteriores – a protagonista perde-se. Em seus impulsos, nem tudo será explicado; em seu desespero, brotam os sinais do inconsciente. Na viagem de ida, termina às portas da propriedade em que viveu a infância com sua família, os Spencer, vizinhos do castelo da família real britânica. Fica claro, então, que ela não está perdida.
No terreno dos Spencer está fincado um espantalho. O boneco, feito para parecer um corpo humano e espantar predadores, é o sinal, o primeiro deles, que arrasta Diana para o passado. Ela age sem pensar: atravessa a cerca, caminha pela propriedade e retira o casaco que envolve o objeto sem vida – peça de roupa que teria sido de seu pai.
A partir desse ponto, ainda antes da princesa colocar os pés no palácio, Pablo Larraín, com roteiro de Steven Knight, indica-nos o movimento de retorno, o deslocamento que inclui o encontro com fantasmas. O da menina frágil – quase uma mulher – para escapar do palácio e tentar ser o que não pode mais: uma pessoa com uma vida normal.
Larraín casa a imagem opaca de filmes como Tony Manero e O Clube ao vazio da riqueza e do poder, aos movimentos perfeitos de gente engolida por rituais, como no exemplo óbvio que é Jackie. É verdade que nos cansamos, a alguma altura, das contorções e fugas da Diana e nem sempre chegamos, com Stewart, à ideia de esmagamento.
Há momentos em que o horror parece pertencer apenas a ela, produto de sua imaginação e medo. Há outros em que os cenários ajudam a compreendê-la melhor, como na cena em que conversa com o insosso Charles (Jack Farthing) em frente a uma mesa de bilhar vermelha. Em um mesmo móvel, o jogo e o mar de sangue sob a desesperada princesa.
O filme todo pretende ser uma experiência de sufocamento, a exploração de um espaço oco em que restam vultos do passado, como a Ana Bolena (Amy Manson) que encontra Diana para alertá-la do perigo que se avizinha – o exemplo da mulher que perdeu a cabeça no embate com a Coroa. Para se livrar, Diana só tem uma saída: Spencer. Ela precisa voltar a ser o que foi um dia, livrar-se de seu atual papel, nem que seja apenas para si mesma.
(Idem, Pablo Larraín, 2021)
Nota: ★★★☆☆
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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