Antonio Moniz Vianna, crítico de cinema que atuou nas páginas do Correio da Manhã, um dos maiores exegetas da arte cinematográfica, que se aposentou em 1973 quando da morte de John Ford, desiludido com o declínio do cinema contemporâneo, foi entrevistado recentemente para uma matéria de jornal sulino sobre a comemoração dos 100 anos de cinema. Ele respondeu o seguinte: “Acho essa história de cem anos do cinema uma bobagem. O cinema começou mesmo em 1915, com O Nascimento de uma Nação. E acabou em 1961. Hoje é alguma coisa que eu não sei o que é”.

Força de expressão, exagero, o fato é que o cinema sofre de anemia criativa durante os anos 70, 80, e 90 – que já está em meados de seu decurso. Se Moniz Vianna tem razão ou dele se pode discordar há, porém, uma grande dose de realismo, pois o cinema hoje, além de ter perdido o status político que possuía na década de 50, reprocessa, no plano de linguagem, fórmulas criadas no apogeu de sua idade de ouro. Por ser uma arte jovem, contando apenas um século, o cinema, quando descoberto pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, em 1895, ainda não sabia falar, expressar-se em linguagem autônoma. O amadurecimento da linguagem cinematográfica foi sendo feito aos poucos e, somente em 1915, como atesta Moniz Vianna, ela foi de fato sistematizada, aparecendo como autêntico meio de expressão em O Nascimento de uma Nação (1914-15) e Intolerância (1916), ambos de David Wark Griffith.
Sergei Eisenstein, para formular suas ofertas da montagem, bebeu nas águas griffithianas a fim de viabilizar obras capitais como O Encouraçado Potemkin (1915) e Outubro (1927). Outros cineastas foram se influenciando e a arte do filme vai se consolidando com o passar dos anos deste século que se encontra no ocaso. O cinema, portanto, se faz com as décadas de 30, 40, 50 e 60, quando atinge o seu auge e a sua saturação. A partir daí surgiram apenas reprocessamentos de fórmulas já experimentadas. E é aqui que entra o filme-divisor-de-águas, obra que revoluciona a linguagem, transformando-a, modernizando-a, influenciando as outras gerações.
Se O Nascimento de uma Nação pode ser considerado o ponto de partida da narrativa cinematográfica, esta narrativa, com o passar do tempo, foi sendo aprimorada e aperfeiçoada. Os assim chamados filmes-divisores-de-águas são justamente aqueles que efetuaram um corte longitudinal nos cânones narrativos praticados para aprimorá-los, contestá-los, reformá-los, ou fazê-los mais claros e perfeitos na explicação temática por meio específico. Eisenstein com sua teoria revolucionária, ainda que influenciado por Griffith no princípio, contesta a narratividade deste propondo uma nova forma cinematográfica. Assim, O Encouraçado Potemkin e Outubro podem ser vistos como divisores-de-águas, pois Eisenstein influenciou várias gerações de cineastas – mesmo aqueles não aderentes à formula do cineasta soviético sofreram influências marcantes -e nesse particular, Hitchcock é um deles: veja a sequência final, entre outras, de Intriga Internacional.
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Um grande filme-divisor-de-águas é Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, ponto de partida para a linguagem do cinema contemporâneo. Outro: Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, que faz eclodir o neorrealismo. A trilogia de Antonioni – A Aventura, A Noite e O Eclipse. Hiroshima, Mon Amour e O Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais. No Tempo das Diligências, de John Ford. Entre muitos outros.
Qual o filme-divisor-de-águas feito nos anos 70, 80 e 90? Difícil responder ou, respondendo, nenhum. O cinema atual, mesmo o realizado por aqueles mais empedernidos com a expressão – Wim Wenders, Theo Angelopoulos etc.- apenas reprocessam outros filmes. Assim, não teria razão Moniz Vianna na afirmação que encabeça este artigo?
(Tribuna da Bahia, 16 de janeiro de 1996)
Foto do cabeçalho: O Ano Passado em Marienbad
Veja também:
Intriga Internacional, por Antonio Moniz Vianna