Os 20 melhores filmes de Alfred Hitchcock

Uma mulher de costas caminha sozinha em uma estação de trem. De roupa escura e bolsa amarela, ela é parte de um filme de Alfred Hitchcock. Sua assinatura está na imagem. A bolsa ocupa todo o quadro e aos poucos se afasta. O restante é preto ou acinzentado. Ficamos com a bolsa e sua forma dobrada, em “fatias”, banhada à cor gritante.

Está tudo ali, em um único quadro; a cor indica perigo, isolamento. A bolsa faz-nos pensar em um fetiche, algo proibido, o que se esconde e ao mesmo tempo se deflagra. Marnie é sobre uma ladra. Mais ainda: é sobre um homem que deseja flagrar sua amada roubando e em seguida fazer sexo com ela. É, sem dúvida, um filme de Hitchcock. Àquela altura, nos anos 1960, algo do tipo – o ponto, o desejo, o perigo, tudo conjugado – só poderia estar em uma de suas obras (depois, talvez, na de um De Palma ou de um Argento).

O prazer do detalhe. O detalhe caro. A mulher oculta e ao mesmo tempo revelada por esse objeto que nos aponta o problema, como o jornal que esconde o dinheiro em Psicose, como o cabelo em espiral da bela loura, morta-viva, de Um Corpo que Cai, como o anel em A Sombra de uma Dúvida. E se tiramos desses pontos tamanha informação é porque o diretor faz deles mais que objetos: são inflexões, indicam personagens aprisionadas.

20) Marnie, Confissões de uma Ladra (1964)

19) O Homem Errado (1956)

18) A Dama Oculta (1938)

17) Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940)

Nos filmes de Hitchcock, sofremos com esses planos de detalhes, com cada pequena escolha, com esse nível de calculismo e a impossibilidade de improviso. Vivemos, nesse cinema, a obrigação de olhar, vítimas na redoma de um sádico gordinho que se diverte aos nos deixar acreditar que sabemos demais – o que explica o fato de André Bazin não ter se convencido da genialidade do cineasta inglês, tão propalada por seus discípulos.

Como no citado plano de abertura de Marnie, estamos encarcerados, mãos atadas, em universos frequentemente indiferentes à justiça. Hitchcock não gosta da polícia. Em seus filmes, ela perde, gira sem caminho. Ou erra. Em O Homem Errado, o sentido da clausura está no reflexo que propõe, ao fim, quando o inocente encara seu duplo; em O Inquilino, na desforra da turba contra o suspeito, e em seu encontro com estranha purificação.

16) Um Barco e Nove Destinos (1944)

15) Frenesi (1972)

14) O Inquilino (1927)

13) Sob o Signo de Capricórnio (1949)

12) Chantagem e Confissão (1929)

O melhor exemplo das obsessões de Hitchcock está em Janela Indiscreta, estudo definitivo sobre suas personagens, ao mesmo tempo tortas, ao mesmo tempo capazes de nos conquistar; em cena, alguém olha impunemente. O que parece ser real é fruto de seu olhar – puro e, por isso, acrescido de recortes. Induz-nos a assistir tudo o que assiste em seus dias de impotência, preso a uma cadeira de rodas, com a perna quebrada.

James Stewart – o mesmo que conduziria o espectador à recriação de sua amada morte em Um Corpo que Cai – está mais interessado na vizinhança e suas possíveis histórias do que na bela loura que ama e o acorda de um sonho. A nós também, aquele belo close de Grace Kelly, a hitch-blonde por excelência, capaz de transgredir para provar seu amor.

A moça que atravessa a vizinhança para entrar no apartamento do vilão precisa indicar a seu amado, que a vê através da lente, a aliança – a dela, a que falta ao outro. No crime, o homem mata a própria mulher; ao amado, a moça mostra o que a une ao herói. A aliança – o detalhe – tem duplo sentido e faz parte das perversidades de Hitchcock.

O mestre do suspense nunca deixa o público na simples posição de conforto, a uma distância segura. Em algum ponto de Janela Indiscreta, o vilão cruza o mesmo caminho, em sentido oposto, e invade o apartamento do herói. Ação e reação a alguém não tão inocente assim, o peeping tom, aquele que ousou olhar demais, um refugiado impossível.

11) Correspondente Estrangeiro (1940)

10) Festim Diabólico (1948)

9) Os 39 Degraus (1935)

Hitchcock adora personagens irresponsáveis. Um filme como Frenesi não nos deixa muito além do abismo que separa o assassino atrapalhado do policial de traços cômicos; para Os Pássaros, a redoma impõe uma mãe protetora contra a forasteira, sobre a qual temos dúvidas; para Rebecca, a criada que ama a patroa morta – e não suporta a substituta; para Chantagem e Confissão, uma moça transformada em assassina e tomada pela culpa.

Nas fitas policiais e de espionagem, Hitchcock opera com outros meios: é preciso, desde sempre, separar mocinhos e bandidos. Na Inglaterra, O Homem que Sabia Demais e Os 39 Degraus estabeleceram um tipo de filme popular no qual a graça é justamente saber pouco e viver mais de uma vida atrás do vilão estrangeiro, de preferência amarrado a uma mulher.

As dúvidas do pré-guerra na Europa convertem-se em certezas no cinema da Segunda Guerra nos Estados Unidos: Correspondente Estrangeiro é um dos melhores do mestre, com sequências de tirar o fôlego; Sabotador tenta ser algo maior e é refeito, mais tarde, como Intriga Internacional. A Estátua da Liberdade dá lugar ao Monte Rushmore – nos dois casos, vemos Hitchcock lidando com os sinais da História, com a justiça praticada pelos heróis americanos contra inimigos, sobre seus monumentos.

8) Pacto Sinistro (1951)

7) Intriga Internacional (1959)

6) Os Pássaros (1963)

5) A Sombra de uma Dúvida (1943)

Ainda que deixasse claro seu envolvimento com certa ideologia política, o que o leva a Topázio, Hitchcock ainda será, pelos menos no terreno da espionagem, um criador do cinema clássico, démodé àquela altura, de um mundo em que os vilões são facilmente reconhecidos, o do preto no branco e sem margem à dúvida – o que fez Topázio nascer velho.

Seu “cinema adulto” pode ser visto nos avanços de personagens perturbadas, em alguns de seus melhores filmes: no Bruno de Pacto Sinistro, no tio Charlie de A Sombra de uma Dúvida, no Norman Bates de Psicose. No último, dado a uma cela fria, uma voz ecoa em sua mente enquanto observa uma mosca, coberto por uma manta: meio homem, meio mulher, mãe e filho – cabe tudo nessa personagem que, em vão, tentamos definir.

4) Interlúdio (1946)

3) Janela Indiscreta (1954)

2) Psicose (1960)

1) Um Corpo que Cai (1958)

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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