Abaixo, alguns trechos da entrevista de Arnaldo Jabor à Folha de S. Paulo, ao lado de Hector Babenco e Cacá Diegues:
Eu fui fazer cinema por motivos artísticos, literários etc. Quando comecei a fazer cinema, isso era no meio dos anos 60, achava que era possível fazer uma espécie de invasão crítica da cultura de massas. Injetar um pensamento reflexivo, crítico, nessa cultura que estava nascendo no Brasil, uma espécie de contrabando. Eu ia ser escritor, poeta, teatrólogo, mas acabei fazendo cinema porque o Cacá [Diegues] mandou (risos). Quer dizer, o Cacá é responsável por tudo…
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A atração de se fazer cinema era que a gente poderia expandir as idéias para um público muito mais amplo que 10 mil leitores de poesia. Podíamos atingir milhões de espectadores e, de certa forma, conseguimos isso nos anos 70. Creio que esse é o ponto de partida que une o pessoal do Cinema Novo. Este pessoal não era cinéfilo no sentido cineclubista do termo, mas era uma turma que queria invadir o mundo da indústria cultural com uma mensagem esteticamente renovadora e politicamente nova.
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(…) o que eu estava falando no começo é que o cinema na época era “a arte”. A arte do futuro em 1958, 60, com Cahiers du Cinema, nouvelle vague surgindo, o neorrealismo, Antonioni. O cinema de Antonioni era a grande esperança do mundo de fazer arte de massas e profunda, um encanto. O que se podia almejar mais do que realizar o sonho da arte moderna? O cinema tornou o modernismo subitamente possível durante os anos 60. Começou a se foder nos anos 70, quando este sonho foi pro caralho.
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Antes de mais nada, eu acho que nós, que saímos do Cinema Novo, fomos culpabilizados pela geração posterior como se fôssemos responsáveis por uma mudança histórica e econômica que houve no Brasil e que prejudicou o cinema já nos anos 60 e início dos 70. Fomos rotulados de muitas coisas em nossa busca por um pensamento mais alegórico. Eu acho que a importância de um filme como o Lúcio Flávio, por exemplo, se dá no ingresso forte do realismo no cinema brasileiro. Tirou o excesso paródico. Isso ilumina uma dialética que existe no cinema brasileiro, não no Cinema Novo, entre desejo e comércio, desejo e público. Meu primeiro filme, A Opinião Pública, é intensamente político, sem nenhuma preocupação de público. Quando fui fazer Pindorama, meu primeiro filme de ficção, tinha medo de filmar. Eu tinha um assistente super-castrador, dominado pelo esteticismo da época (Sérgio Santeiro), que achava que não podia ficar cortando. Tinha que fazer tudo em plano-sequência, ele achava que o corte era coisa da direita, manipulador. O filme foi um fracasso pavoroso, fiquei com um enorme trauma. Não sabia filmar ficção, a culpa era minha se me deixei levar por um culturalismo narrativo. Quando fiz Toda Nudez Será Castigada, fiz para mim, foi uma grande libertação. Estava fazendo um filme emocional com um autor considerado de direita fascista, Nelson Rodrigues. Fiz grande sucesso de público e fui atacado inclusive por pessoas do Cinema Novo. É claro que eu tinha que acabar tendo um preconceito contra este ideologismo. Foi com filmes como este, e depois Xica da Silva e Lúcio Flávio, que esta postura começou a se dissolver. A dialética entre mundo sonhado e real começou a se bater quando, na década de 70, não dava mais para viver só de sonho. Você tinha que ancorar sua imagem no mundo real.
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Pixote, aliás, quando foi lançado, foi considerado por muita gente do cinema brasileiro como um filme realista, no sentido careta da palavra, como se fosse um filme naturalista, sem distanciamento crítico. Mas, passados esses 15 anos, verifica-se que a força e a modernidade de Pixote ficaram justamente porque o filme não era ideológico.
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Para mim, o universo mais fascinante e sedutor é o cinema europeu do pós-guerra, principalmente o luxo do Antonioni. Depois, a eclosão, a ruptura da nouvelle vague, vinda via Godard. Isso tudo temperado com os musicais americanos, como Cantando na Chuva e Roda da Fortuna, o grande momento do cinema nos EUA. Aí, quando começaram aquelas coisas de Deus e o Diabo na Terra do Sol e tal, houve na minha cabeça a junção de duas possibilidades poéticas aparentemente inconciliáveis. Essa junção é que me motivou definitivamente para fazer cinema.
Arnaldo Jabor, cineasta e escritor, na Folha de S. Paulo (Suplemento Mais!; 16 de abril de 1995). A entrevista também está reproduzida no livro Memórias do Presente – Conhecimento das Artes (Publifolha; pgs. 18-34). Acima, Jabor; abaixo, Bruno Barreto, Cacá Diegues, Jabor e Glauber Rocha.
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