La Notte Brava (A Longa Noite de Loucuras), a obra reveladora do talento de Mauro Bolognini (plenamente confirmado por Il Bell’Antonio a seguir), parece ter sido interditada na França – isso depois de haver passado sem maiores problemas pela censura italiana. São essas divergências que sugerem como o conceito de moral é mutável ou flexível; varia, de país a país, dentro da mesma órbita de civilização e cultura, muito sensíveis às oscilações sociais ou políticas.

No que tange a administração da moral através da censura, há a considerar ainda como fator de importância, o das reações individuais dos censores, não raro ditadas por obsessões, rancores ou idiossincrasias. No caso específico de A Longa Noite de Loucuras, estamos vendo a aplicação do que já constitui uma regra da censura: dois pesos e duas medidas. Os censores franceses, quando ameaçam interditar o filme de Bolognini, esquecem-se de que não fizeram restrições a filmes como Les Tricheurs (Os Trapaceiros), Les Dragueurs (Os Libertinos) e Les Cousins (Os Primos). Com os três citados aparenta-se A Longa Noite de Loucuras, também uma panorâmica sobre um setor irresponsável e de certa forma corrupto da juventude. Muda apenas o ambiente, Roma em vez de Paris. Muda alguma coisa mais – e não nos referimos à melhor qualidade cinematográfica do filme de Bolognini, não sendo este um elemento que se deva basear qualquer censura, mas à tese moral, que não é uma simples opção como a de Les Cousins, nem uma concessão como a de Les Tricheurs, das quais se distancia porque se faz naturalmente a parábola que conduz a história à demonstração um tanto simbólica, mas nada metafísica, da inutilidade de todos os esforços (golpes, furtos, violências) despendidos pelos protagonistas da “longa noite de loucuras”. Quando começa a nascer o dia, o último dos jovens vigaristas atira ao chão, num gesto típico e expressivo, a última nota de 500 liras, que se mistura aos detritos e já não é mais possível distingui-la.
A conclusão, a lição moral de A Longa Noite de Loucuras talvez não seja muito visível aos “moralistas” que andam por aí. Preferem estes discutir ou condenar os “excessos” da narrativa, que estariam localizados em vários pontos: no trottoir romano (representado por Antonella Lualdi, Elsa Martinelli e Anna Maria Ferrero), na vigarice do trio masculino (Laurent Terzieff, Jean-Claude Brialy e Franco Interlenghi), no insólito do encontro de Terzieff com Mylène Demongeot (mistério e sensualismo). E no mais que viram eles, os “moralistas”, e ninguém mais viu: ou melhor, nos vícios espalhados por todos os cantos do filme não obstante a maioria dos observadores não consiga distingui-los. Porque há muitos vícios que os mais impenitentes viciados desconhecem e, no entanto, costumam mostrar-se com frequência (e exclusivamente) aos “moralistas”.
A Longa Noite de Loucuras talvez esteja destinado a repetir, no Festival de Cinema Italiano, o caso de Les Amants no Festival de Cinema Francês. Nenhuma culpa cabe a Mauro Bolognini, nem aos seus artistas, que interpretam personagens de existência real e definida, inspirados ao escritor Pier Paolo Pasolini pela observação direta da vida e enfeixados nas páginas do livro Ragazze di Vita, que inclui o autor entre os mais expressivos nomes da literatura italiana de hoje. Pasolini, também homem de cinema, tem sido o cenarista habitual de Bolognini, para quem adaptou ainda a história de Vitaliano Brancati: Il Bell’Antonio, outro filme, por sinal, que os “moralistas” adorariam proibir.
Correio da Manhã (9 de outubro de 1960)
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A Longa Noite de Loucuras, por Antonio Moniz Vianna