Os filmes de pirata convencionais eram “filmes de caubói passados sobre a água”, disse Roman Polanski à sua equipe no início das filmagens de Piratas, discurso reproduzido em Polanski – Uma Vida, de Christopher Sandford. A tentativa de dar uma guinada no subgênero era arriscada e resultaria no maior fracasso artístico da carreira do diretor.
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Primeiro, o que Polanski, ao lado do roteirista Gérard Brach, tentou fazer: uma comédia de piratas – e de época – com boas gags, falas e personagens ao estilo Billy Wilder. Depois, o que resultou: uma mistura arriscada que não se confirma comédia satisfatória, capaz de nos embalar e fazer rir em seu universo próprio, tampouco boa aventura.
Diluir a graça na emoção – o combate de um grupo de piratas esfarrapados contra pomposos espanhóis de perucas gigantes e cafonas – não é tarefa fácil. Polanski esforça-se para nos fazer acreditar que seus bandidos e saqueadores podem ser engraçados, falsos revolucionários, e que a revolução em questão (o motim) é um teatro.
Seu pirata protagonista, Red, é interpretado por Walter Matthau, um dos homens preferidos de Wilder. Na abertura, ele vaga ao lado do pequeno escudeiro Frog (Cris Campion) sobre uma jangada perdida no mar. Tem fome, pensa em comer o rapaz que lhe dá guarda e termina no interior do grande Neptune, da armada espanhola, que leva um rei à beira da morte.
Menos que alguém disposto a interpretar, Matthau é uma presença. O diretor não se importa. O ator é o cão rabugento desalmado, comédia em pele, de cabelos desgrenhados e figurino amarrotado, pronto para submergir do calabouço para guiar a massa de manobra – como os ditadores do mundo comunista que Polanski aprendeu a odiar.
Piratas ensaia uma crítica ao poder e à cobiça com figuras vazias, estofo artificial, uma pequena história de amor que nunca convence. Enquanto Red só pensa em se dar bem com quantias de ouro, seu escudeiro tem o heroísmo juvenil de quem ainda doma a espada com paixão e põe a vida em risco para fugir com a bela princesa entre os braços.
Red sempre o puxa para trás: é a própria farsa que se sobrepõe à história dos idealistas, ao convencional que o diretor quer combater. O mais velho é o conformado, o saqueador, que só tem olhos para o tesouro – e que o observa através do orifício da parede de madeira do barco, como se o objeto fosse uma deusa virgem, brilhante e proibida.
Apenas os jovens são capazes de fazer a revolução, diz-nos Polanski. Nesse sentido, Red existe para suprimir os desejos verdadeiros de Frog. É por isso que o garoto, em obediência cega ao falso revolucionário, deverá fracassar nas investidas à amada. Enquanto luta para retirá-la das mãos do vilão, Red chama-o para cortar a corda que prende seu desejado trono de ouro ao grande barco espanhol. Ele não pode desobedecer o chefe.
Não estranha que, mesmo com um bom volume de ouro, eles terminem no mesmo ponto de partida: no meio do oceano, sem nada senão a imensidão azul e a incerteza, além da riqueza ilusória. A crítica de Polanski ao poder que surrupia a paixão para seu enriquecimento, ao velho que se opõe ao novo, é o pouco que há de interessante em Piratas.
O filme tem algumas boas gags, como o momento em que o protagonista e seu companheiro tentam roubar o trono de ouro das terras espanholas e terminam pendurados em uma grande corrente que liga duas estruturas sobre o mar. E há situações desnecessárias, para não dizer ridículas. O encontro do pirata negro com uma anaconda presta-se apenas à ação inócua, capa de gordura que nada tem de emocionante nem de engraçada.
Na passagem em que Red pede a Frog para estuprar sua jovem amada na frente do líder espanhol, temos um exemplo de comédia destemperada, até ofensiva. Sentimo-nos como o próprio jovem, sem ação, envergonhados do homem (e do texto) que seguimos até ali – o mesmo jovem que, em sua cegueira absoluta, seguirá o velho para sempre.
(Pirates, Roman Polanski, 1986)
Nota: ★☆☆☆☆
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)
Veja também:
2001: Uma Odisseia no Espaço, segundo Roman Polanski