Um western exemplar: Sete Homens Sem Destino
Esta é uma oportunidade para aplicar o que escrevi sobre a política dos autores. Minha admiração por Sete Homens Sem Destino [Seven Men from Now, 1956] não me levará a concluir que Budd Boetticher é o maior diretor de western – embora não exclua tal hipótese -, mas somente que seu filme talvez seja o melhor western que vi depois da guerra. Só a lembrança de O Preço de um Homem e Rastros de Ódio [The Searchers, de John Ford, 1956] me leva a ser um pouco reticente. Com certeza é mesmo difícil discernir entre as qualidades desse filme excepcional, entre as que vêm especificamente da mise-en-scène, e as que devem ser atribuídas ao roteiro e a um diálogo fascinante, sem falar, é claro, das virtudes anônimas da tradição que só pedem para se expandir quando as condições de produção não as contrariam. Confesso só ter, infelizmente, uma vaga lembrança dos outros westerns de Boetticher para saber qual é a parte, no êxito deste, das circunstâncias ou dos acasos, parte que quase não existe, devo admitir, em um Anthony Mann. Seja lá como for, e mesmo que Sete Homens Sem Destino seja o resultado de uma conjuntura excepcional, não deixo de considerá-lo um dos êxitos exemplares do western contemporâneo.

Que o leitor me desculpe se não pode verificar o que digo, sei que falo de uma obra que ele provavelmente não verá. Assim decidem os distribuidores. Sete Homens Sem Destino só foi apresentado em versão original, em exclusividade de baixa temporada, numa pequena sala dos Champs-Élysées. Se o filme não foi dublado, vocês não o encontrarão nos bairros. Situação simétrica à de outra obra-prima sacrificada, Rastros de Ódio, apresentada apenas em versão dublada em pleno verão.
É que o western continua sendo o gênero menos compreendido. Para o produtor e o distribuidor, o western não passa de um filme infantil e popular fadado a acabar na televisão, ou em uma superprodução ambiciosa com grandes estrelas. Apenas a bilheteria dos intérpretes ou do diretor justifica o esforço de publicidade e de distribuição. Entre os dois, fica-se ao deus-dará e ninguém – e, é preciso dizer, nem mesmo o crítico ou o distribuidor – faz a diferença sensível entre os filmes produzidos com a marca western. Foi assim que Os Brutos Também Amam, superprodução ambiciosa da Paramount para o jubileu cinematográfico de Zukor, foi saudada como obra-prima e que Sete Homens Sem Destino, muito superior ao filme de Stevens, passará despercebido e reintegrará provavelmente as gavetas da Warner, de onde será tirado apenas para tapar algum buraco.
O problema fundamental do western contemporâneo está sem dúvida no dilema da inteligência e da ingenuidade. Hoje, o western só pode, no mais das vezes, continuar a ser simples e, conforme a tradição, vulgar e idiota. Toda uma produção de segunda categoria persiste nessas bases. É que, desde Thomas Ince e William Hart, o cinema evoluiu. Gênero convencional e simplista em seus dados primitivos, o western deve, no entanto, tornar-se adulto e ficar inteligente se quiser se situar no mesmo plano que os filmes dignos de serem criticados. Assim apareceram os westerns psicológicos, com tese social ou mais ou menos filosófica, os westerns com uma significação. O cúmulo dessa evolução é justamente representado por Os Brutos Também Amam, western em segundo grau, no qual a mitologia do gênero é conscientemente tratada como tema do filme. Como a beleza do western é proveniente da espontaneidade e da perfeita inconsciência da mitologia dissolvida nele, como o sal no mar, essa destilação laboriosa é uma operação contra a natureza, que destrói o que revela.
Mas será que ainda podemos seguir diretamente o estilo de Thomas Ince, ignorando quarenta anos da evolução cinematográfica? É evidente que não. No Tempo das Diligências ilustra sem dúvida o limite extremo de um equilíbrio ainda clássico entre as regras primitivas, a inteligência do roteiro e o esteticismo da forma. Depois dele, temos o formalismo barroco ou o intelectualismo dos símbolos, temos Matar ou Morrer. Somente Anthony Mann parece ter sabido encontrar a naturalidade através da sinceridade, porém, mais do que seus roteiros, é sua mise-en-scène que faz com que seus westerns sejam os mais puros do pós-guerra. Ora, apesar da política dos autores, o roteiro também é um elemento constitutivo do western, tanto quanto o bom emprego do horizonte e o lirismo da paisagem. Aliás, minha admiração por Anthony Mann foi sempre um pouco perturbada pelas imperfeições que ele tolerava em suas adaptações.
Por isso, o primeiro encantamento que temos com Sete Homens Sem Destino vem da perfeição de um roteiro que realiza a proeza de nos surpreender continuamente a partir da trama rigorosamente clássica. Nada de símbolos, nem de segundas intenções filosóficas, nem sombra de psicologia, nada senão personagens ultraconvencionais com funções arquiconhecidas, mas uma organização extraordinariamente engenhosa e, sobretudo, uma invenção constante quanto aos detalhes capazes de renovar o interesse das situações. O herói do filme, Randolph Scott, é um xerife em perseguição a sete bandidos que mataram sua mulher roubando os cofres da Wells Fargo. Trata-se de capturá-los atravessando o deserto antes que cruzem a fronteira com o dinheiro roubado. Outro homem fica logo interessado em ajudá-lo, mas por um motivo bem diferente. Quando os bandidos estiverem mortos, talvez ele possa apropriar-se dos 20 mil dólares. Talvez, se não for impedido pelo xerife; caso contrário, será preciso matar mais um homem. Desse modo a linha dramática é claramente apresentada. O xerife age por vingança, seu companheiro por interesse, no final, o ajuste de contas será entre eles. A história poderia criar um western chato e banal se o roteiro não fosse construído com uma série de surpresas que não vou contar para não tirar o prazer do leitor, se tiver a sorte de ver o filme. No entanto, mais ainda que a invenção das peripécias, o que me parece mais notável é o humor com que são tratadas. Assim, por exemplo, nunca vemos o xerife atirar, como se ele atirasse rápido demais para que a câmera tivesse tempo de fazer o contracampo. A mesma vontade de humor justifica também, certamente, os trajes bonitos ou provocantes demais da heroína ou, ainda, as elipses inesperadas da decupagem dramática. O mais admirável, porém, é que o humor aqui não vai de modo algum de encontro à emoção e ainda menos à admiração. Não há nada de paródico. Ele supõe apenas que o diretor tenha consciência e compreenda bem o motor que ele põe em movimento, e isso sem qualquer menosprezo ou condescendência. O humor não nasce de um sentimento de superioridade, e sim, muito pelo contrário, de uma superabundância de admiração. Quando amamos a tal ponto os heróis que animamos e as situações que inventamos, então e somente então podemos tomar uma distância humorística deles, que multiplica a admiração pela lucidez. Tal ironia não diminui os personagens, mas permite que a ingenuidade deles coexista com a inteligência. Esse é, com efeito, o western mais inteligente que conheço, mas também o menos intelectual, o mais refinado e o menos esteticista, o mais simples e o mais belo.
Essa dialética paradoxal foi possível porque Boetticher e seu roteirista não tiveram uma atitude paternalista para com o tema, nem quiseram “enriquecê-lo” com contribuições psicológicas, mas simplesmente levaram sua lógica até o fim e tiraram todos os efeitos da perfeição das situações. A emoção nasce das relações mais abstratas e da beleza mais concreta. O realismo, tão imperativo nos westerns históricos ou psicológicos, não tem mais sentido aqui do que nos filmes da “The Triangle”, nos quais um esplendor específico surge antes da superposição da extrema convenção e do extremo realismo. Boetticher soube se servir prodigiosamente da paisagem, da matéria variada da terra, do grão e da forma dos rochedos. Também acho que a fotogenia do cavalo há muito tempo não tinha sido tão bem explorada. Por exemplo, na extraordinária cena do banho de Janet Gaynor, em que o pudor inerente ao western é levado, com humor, tão longe que só é mostrado o movimento da água nos bambus, enquanto a cinquenta metros dali Randolph Scott atrela os cavalos. É difícil imaginar a um só tempo mais abstração e mais transferência no erotismo. Penso também na crina branca do cavalo do xerife e em seu grande olho amarelo. Saber usar tais detalhes é seguramente mais importante no western do que saber executar uma batalha com cem índios.
É preciso, com efeito, realçar o uso totalmente insólito da cor nesse filme. Favorecidas, é verdade, por um procedimento cujas características ignoro, as cores de Sete Homens Sem Destino são uniformemente transpostas numa tonalidade aguada que lembra, por sua transparência e suas superfícies de cores, as antigas cores dos filmes pintados à mão. É como se as convenções da cor viessem assim salientar as da ação.
Há, enfim, Randolph Scott, cujo rosto lembra irresistivelmente o de William Hart até na sublime inexpressividade dos olhos azuis. Não há nenhum jogo de fisionomia, nem sombra de pensamento ou de sentimento, sem que tal impassibilidade, é óbvio, tenha algo a ver com a interioridade moderna de um Marlon Brando. Esse rosto não traduz nada, pois não há nada para ser traduzido. Todos os móveis da ação são definidos aqui pelos empregos e pelas circunstâncias. Até o amor de Randolph por Janet Gaynor, do qual sabemos exatamente quando nasceu (no momento do banho) e como evoluiu, sem que em momento algum o rosto do herói traduzisse um sentimento. Mas ele está inscrito na combinação dos acontecimentos como o destino na conjuntura dos astros, de maneira necessária e objetiva. Qualquer expressão subjetiva teria então a vulgaridade de um pleonasmo. Não é por isso que nos ligamos menos aos personagens, muito pelo contrário: a existência deles é mais plena por não dever nada às incertezas e às ambiguidades da psicologia, e quando, no final do filme, Randolph Scott e Lee Marvin se encontram cara a cara, o dilaceramento ao qual sabemos estar condenados é emocionante e belo como uma tragédia.
Desse modo, é caminhando que o movimento fica provado. O western não está condenado a se justificar pelo intelectualismo ou pela espetacularidade. A inteligência que exigimos hoje pode servir para refinar as estruturas primitivas do western e não para meditar sobre elas ou desviá-las em prol de interesses alheios à essência do gênero.
Cahiers du Cinéma (abril de 1957)
ACOMPANHE NOSSOS CANAIS: Facebook e Telegram
Veja também:
A ópera de cavalo e do pobre, por Paulo Emílio Sales Gomes