Halloween – A Noite do Terror, de John Carpenter

O infantilismo é tão intenso quanto o terror. É por essa ambiguidade que chegamos à grandeza de Halloween – A Noite do Terror, de John Carpenter. De resto, sem o mistério das misturas, entre o que pode matar e o que é frágil, sobra pouco mais que uma pequena fita de assassinatos e sustos.

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Não espanta, por isso, que a menina perseguida pelo assassino pergunte, ao fim, se ele era mesmo o bicho-papão. E não espanta que a pergunta seja feita ao médico dono de frases prontas, falsas, como são os cientistas em antigos filmes de ficção.

O assassino de Halloween não tem forma. É branco, vazio. Resume-se à máscara que resiste a desnudá-lo, a nos dar o que ele é ou foi. Em todo o decorrer, o filme de Carpenter apoia-se na exclusão do humano, na imposição da coisa, do estado de medo, do fantasma que sai de trás das árvores e muros, e que tudo vê.

Quando criança, Michael Myers matou a própria irmã. A câmera subjetiva leva-nos ao lugar do assassino, transita pela casa, pela noite e pela época em que o cinema dava peso desigual ao adolescente e fazia do terror o contraponto à libertinagem, aos amassos escondidos. Jogava-se com o desejo de olhar, com a pulsão de morte da criança que não suporta ver a irmã nos braços de outro homem.

O olhar compartilhado faz com que Myers tenha algo a mais além do branco: ao revelar o que vê, Carpenter permite-lhe emoção – talvez a última. Ao adotar a máscara, o serial killer evita o que está para fora, aparta-se do mundo de jovens inclinados à libido: deixa de ser alguém, deixa de ter forma e face. Está preso a si mesmo.

Mais velho, ele retorna à sua cidade 15 anos após a morte da irmã e de ter o rosto revelado a nós pelos pais, que talvez tenham pensado que tudo não passava de brincadeira. Afinal, era Halloween. Nessa data, as crianças saem às ruas atrás de doces ou travessuras, embaladas por traquinagens.

Pelas mãos de Carpenter, de seu roteiro escrito com Debra Hill, o filme mescla o mal ao espírito da data: ao bicho-papão, ao medo das crianças enquanto assistem a filmes de fantasia e terror, ao olhar da adolescente que, pela janela, enxerga Myers.

Estabelecido o clima, passamos ao jogo do olhar – banhado nas lições de Hitchcock. Carpenter institui a curiosa ideia de que Myers talvez não seja mais que uma ideia, a ideia do medo que ronda uma sociedade de “doces e travessuras”. E a moça, Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), permanece entre a infância e a vida adulta, entre a inocência e o terror. Laurie atraia Myers. Ou seria o oposto? O filme joga com a relação entre perseguida e perseguidor, e muito tem a dizer sobre essa inversão.

Talvez seja Laurie – em suas buscas para além da janela, nessa fase de descobertas – quem encontra (cria) o assassino, a lenda urbana que alimenta o imaginário. À porta da velha casa em que Myers matou a irmã, ela chega apenas ao limite entre luzes e escuridão. Do interior, Carpenter revela-nos parte do homem, à espreita.

A lenda corre de boca em boca, pela pequena cidade, e se torna o terror de jovens como Laurie. Estão ali o espírito americano, a tradição e a expressão conhecidas. Suas casas têm longas escadas, não têm muros. Seus policiais têm estrelas no peito. Quinze anos após o menino matar a irmã, pouca coisa mudou. Laurie, uma babá, às vezes parece mais velha. Não por acaso é o foco de atração do vilão: ela está no limite, perto de se tornar uma mulher, a se despedir dos “doces e travessuras” da noite de Halloween.

(Halloween, John Carpenter, 1978)

Nota: ★★★★☆

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

Veja também:
Eles Vivem, de John Carpenter

2 comentários sobre “Halloween – A Noite do Terror, de John Carpenter

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