Um dos estudantes da minha universidade filmou um longa-metragem no qual atuavam outros estudantes de quem eu era amigo. O fato de ver numa tela, num verdadeiro filme, pessoas que eu conhecia na vida de todos os dias foi um verdadeiro choque. Isso pode parecer ridículo hoje, quando crianças de dez anos começam a fazer filmes com seu camescope, mas na época vivi isso como uma revelação. Pensei: “Você também poderia fazer um filme”. Comecei, pois, a escrever um roteiro, mas eu não tinha nenhuma noção de técnica cinematográfica. Então comecei pelo método que me parecia mais lógico: abri uma enciclopédia. É claro que as explicações eram muito sumárias, então comprei revistas de cinema e aí, ao contrário, fiquei completamente perdido em meio aos jargões. Em compensação, as imagens de material cinematográfico que eu via me intrigavam. Sempre fui fascinado pela mecânica, é uma coisa para a qual tenho um verdadeiro feeling. Posso desmontar e remontar tudo, e isso me permite compreender como funciona qualquer coisa. Fui então bisbilhotar numa empresa de locação de material de cinema, fiquei amigo da proprietária, e ela me deixou brincar com as câmeras, os gravadores, as lâmpadas… Às vezes, os câmeras passavam para devolver seu equipamento e me davam dicas sobre as objetivas, sobre a luz etc. Depois, um dia, me aventurei. Aluguei uma das câmeras e fiz um pequeno filme. Depois outro e outro. Mas mesmo nessa época eu ainda não pensava seriamente em me tornar diretor. Para mim, a escrita vinha antes de tudo, e o cinema era só um passatempo. Até o dia em que escrevi um roteiro que uma produtora canadense queria comprar de qualquer maneira. Aí me dei conta de que eu não suportava a ideia de que ele fosse filmado por outra pessoa que não eu. Então me recusei a vendê-lo se eu não pudesse dirigi-lo. Eles tentaram me dissuadir e começamos uma quebra-de-braço que durou três anos. Mas acabei ganhando. E esse filme decidiu o resto de minha carreira.
David Cronenberg, cineasta, em depoimento a Laurent Tirard em Grandes Diretores de Cinema (Editora Nova Fronteira; pgs. 193 e 194). Acima, Cronenberg nos bastidores de Os Filhos do Medo; abaixo, nos de Videodrome: A Síndrome do Vídeo.

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