As perspectivas beneficiam o cinema italiano, que dispõe de gênios como Fellini, Visconti e Antonioni. Mas será válida a renovação tentada por Bertolucci?
Ante a movimentação mais recente, não se pode ter ainda uma ideia precisa do que está sendo tentado, ou pelo menos em fase de planejamento, no sentido de solucionar o impasse em que se encontra o cinema. Algumas observações, no entanto, podem ser feitas:
1. A renovação dos quadros do cinema americano é a mais evidente. Entenda-se como renovação o resultado expressivo e já amadurecido de uma certa experiência. Os êxitos confirmadores de competência ou de genuíno talento têm surgido em várias carreiras, como as dos seguintes realizadores: Franklin J. Schaffner (Patton; Nicholas and Alexandra), Sam Peckinpah (The Ballad of Cable Hogue; Straw Dogs/Sob o Domínio do Medo), Sidney Pollack (A Noite dos Desesperados; Mais Forte que a Vingança), William Friedkin (Operação França), Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão), Mike Nichols (Ânsia de Amar), Bob Fosse (Cabaret), George Roy Hill (Matadouro Cinco), Alan J. Pakula (Klute) – não mencionando os mais definidos, como Robert Mulligan, Norman Jewison e Arthur Penn, nem aqueles que estão ainda na linha da promessa ou da esperança (Mark Rydell, Noel Black, Tom Gries) ou que são cineastas ingleses com eventual participação no cinema americano (John Schlesinger, John Boorman). O interessante a notar é que todos os citados têm, na direção ou em outras funções, muitos anos de cinema – ou quase tantos como Stanley Kubrick, o nome maior de toda essa geração. Nenhum surgiu de repente. E se esse parece ser o caso de Peter Bogdanovich, de quem vimos nos últimos meses os três primeiros filmes, aliás consagradores, não se pode esquecer que, como crítico e ensaísta, Bogdanovich já estava ligado ao cinema há muitos anos. Os novos já são, portanto, veteranos.
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2. O cinema inglês, quando é possível distingui-lo do americano, continua exercitando-se para um grande jogo, há muitos anos. Não é muito imaginoso, nem estilisticamente autônomo. (O único estilo intransferivelmente inglês foi o das comédias do Ealing, após a guerra e mais ou menos até 1956, quando foi dissolvido pela desorientação que acometeu o cinema no mundo todo, com o ataque decisivo da televisão). Além do mais, permanece a suspeita de que as mais positivas revelações inglesas serão incorporadas pelo cinema americano.
3. O cinema francês não se renova, nem encontra forças para erguer-se de um plano em que a esterilidade qualitativa é a regra – e os nomes de Jacques Tati e René Clément são praticamente as últimas exceções. Com que ou quem conta mais o cinema francês? Com os sinais de exaustão de Truffaut, o artesanato de Chabrol e Molinaro? E Godard? – não resta nem o eco de duas ou três coisas que se sabia dele?
4. O cinema italiano tem melhores perspectivas. Porque sempre tem Fellini, em cujas obsessões há, também quase sempre, uma luz intensa, senão a luz de um gênio. A Itália dispõe, ainda, de Visconti e Antonioni – e um De Sica pode ressuscitar inesperadamente (como em O Jardim dos Finzi-Contini), além do que ainda podem fazer Germi e Monicelli. Ou, se a política deve ditar o estilo do cineasta, estão lá para isso Elio Petri e Francesco Rosi. Mas onde a renovação em Bertolucci? Afinal, O Último Tango em Paris é um filme italiano realizado na França, um filme francês dirigido por um italiano, ou só um escândalo?
5. O cinema japonês conta ainda com um mestre, Kurosawa; e, enquanto não se sabe o que ainda poderá fazer Kobayashi, outro mestre, resta procurar em quem novas esperanças. Em Kaneto Shindo, outro veterano – e mais quem?
6. Os outros cinemas, que sempre se apoiaram no talento eventual de um ou dois cineastas, estão, por motivos diversos, em processo de absorção – e, assim, os tchecos Milos Forman e Jan Kadar, o polonês Jerzy Skolimowski e outros já têm uma experiência no cinema americano. O próprio Ingmar Bergman, de certa forma, capitulou ao fazer, com The Touch, um filme falado em inglês.
7. Se a crise do cinema americano modificou basicamente o cinema em geral, mesmo que tenha aberto oportunidades aos cinemas menos desenvolvidos, percebe-se que, hoje, antigos modelos estão sendo retomados – como a absorção dos talentos de outros países. Em outros tempos, foram atraídos nomes tão altos quanto os de Lubitsch, Stiller, Murnau, Lang, Hitchcock. Agora, é a vez de Polanski, Skolimowski e até Antonioni (Zabriskie Point). Mas, hoje, a situação não é a mesma. O cinema americano pode estar em toda parte, camufladamente ou não, sem necessidade de importar definitivamente cineastas e atores. A despersonalização acompanha naturalmente essa internacionalização. Se, antes, os cineastas importados se tornavam, na maioria dos casos, tão americanos quanto os nascidos no pais (como se verificou com Wilder, Zinnemann, Curtiz, Dieterle e tantos outros), atualmente o cosmopolitismo invade o estilo dos filmes, refletindo o nomadismo de seus realizadores e, no plano artístico-cultural, a sua indefinição. Esta é uma das linhas do cinema, hoje, e sulcando-o tão profundamente que, mesmo quando ou se passar a crise, talvez permaneça.
Correio da Manhã (25 de fevereiro de 1973)

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O Leopardo, por Antonio Moniz Vianna
Que pequena relíquia de texto! Ótimo.
Valeu amigo!