O Diabólico Vampiro de Düsseldorf, de Robert Hossein

Até certa altura ainda tentamos separar o vampiro dos nazistas. A alguma altura isso é impossível. Os partidários de Hitler atacam pelas ruas, motorizados, fardados, sem que precisem – e nem se preocupam em – se esconder; dialogam com operários para trazê-los às suas causas; quebram a vidraça da livraria e queimam livros na calçada.

O vampiro é o matador de mulheres que caminha não muito longe dali. Em O Diabólico Vampiro de Düsseldorf, enquanto busca vítimas ou as seduz, ele assiste a essas arbitrariedades sem perceber que é parte daquele mal, e talvez o antecipe. Representa o mal que transcende partidos ou bandeiras. Interpretado por Robert Hossein, o assassino é o impotente cujos desejos culminam na morte de mulheres.

O efeito de se assistir a esses crimes e, depois, aos crimes nazistas gera estranheza: na Alemanha em questão, antes de Hitler ser coroado chanceler, os atos de violência – sem que se toquem – refletem-se. O pessoal – na vida enclausurada do vampiro-operário que se camufla para ser outro e seduzir mulheres à noite – encontra a questão social – a depressão econômica, a revolta dos trabalhadores, a ascensão do nazifacismo.

Ao revelar que o assassino lê os escritos de Hitler, Hossein indica-nos não que o nazismo está sendo ensinado, mas que vive na natureza do ser e o preenche: Peter Kuerten mata para satisfazer suas vontades. Quando criminosos tomam o poder, a perseguição e morte às vítimas são autorizadas pela insígnia. Um país todo é tutelado pelo vampirismo.

Diretor e ator, Hossein retorna ao assassino em série de Düsseldorf para fazer um filme à contramão das versões de Fritz Lang e Joseph Losey, de décadas anteriores. Se na mão desses mestres a sociedade tinha maior peso (tratava-se, afinal, das ações de policiais e bandidos para prender o matador de crianças), o realizador francês prefere o criminoso.

Dá-nos o que há de mais patético nesse pequeno alemão de várias faces, filho vazio de um país sem rumo, homem que, às aparências, é o inquilino dos sonhos da senhora que mais de uma vez o elogia. Do operário sujo que come o pão sobre um amontoado de pedras, converte-se no cavalheiro de terno limpo, cabelo engomado, no centro do cabaré.

O local, chamado Eldorado, está em terreno isolado, entre lama. Para dentro, os prazeres da bebida, do piano, entre fumaça, aos olhares que miram um só lugar: o palco das meninas, e de onde sai Anna (Marie-France Pisier). De corpete e chicote, ela seduz Peter. Por algum motivo que não pode explicar, a mesma também se vê atraída pelo estranho.

Em sua apresentação, ela bate o chicote levemente na face do protagonista; tem, no gesto, o resumo de sua dominação, ao passo que o impotente revela ter caído de quatro. O vampiro é dela. A relação de ambos inclui um momento curioso, quando vão passear em local distante e deitam sobre a vegetação. Ao serem flagrados por outro casal, que desconfia da presença do assassino, ela diverte-se enquanto ele corre, amedrontado.

Em outra passagem interessante, Hossein prefere o realismo e apresenta uma revolta de desempregados. Os homens agitam-se próximos à grade da empresa enquanto os soldados postam-se, do lado de dentro, com armas em riste. Os operários empurram um vagão de locomotiva contra o portão fechado; o confronto com as autoridades resulta em mais sangue.

Nessa Alemanha decadente convivem os agitos populares e a busca pela ilusão, ou pelo prazer do momento, no cabaré de letreiros reluzentes mas isolados, à noite. Ao poupar Anna, Peter leva-nos a compreender que não se trata apenas de dominar; à sua maneira, ele trai a própria natureza predadora que o controla. Descobre nessa mulher imponente e livre, tão bela, o que ele, leitor de Adolf Hitler, nunca poderá ser.

(Le vampire de Düsseldorf, Robert Hossein, 1965)

Nota: ★★★★☆

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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Veja também:
M, o Vampiro de Dusseldorf, de Fritz Lang
M – O Maldito, de Joseph Losey

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