Os Desafios, de Claudio Guerín, José Luis Egea e Víctor Erice

Diferente do candidato a coronel do segundo episódio ou do homem disposto a explodir a si e os amigos do terceiro, o pai de família do primeiro, em Os Desafios, ataca por reflexo. Sua fúria é explicada por sua impotência, sua selvageria inesperada confirma o que prevemos dessa curta sessão de mal-estar: ele repele o invasor, volta a ser o senhor de seu castelo.

Na grande casa, no episódio assinado por Claudio Guerín, ele limpa a piscina em um dia de férias como outro qualquer. Carlos (Francisco Rabal) projeta a imagem do homem pacato, pai de família alinhado aos novos tempos, a vencer o clima opressor, os castelos, a Espanha de campos áridos de Franco; projeta modernidade, vida endinheirada.

Da janela, enquanto a mulher fala sem parar, ele assiste aos avanços da filha a um estranho visitante, também os avanços dele – que a menina diz ser o namorado de uma professora, com quem ela conviveu por um tempo nos Estados Unidos – à garota, da qual o pai perdeu o controle. Em seu reino, o homem assiste à ameaça, ao contraponto: contra ele, um pouco velho, há o visitante que desfila de sunga e se gaba da potência física.

O homem racional pouco a pouco se entrega à loucura. Interpretado por Dean Selmier, o recém-chegado sobre quem nada sabemos quer as rédeas do espaço, endiabrado que traduz o reflexo invertido do outro: é tudo o que pai queria ser, tudo o que não é, com permissão para atacar a filha e, ousado, até mesmo a mãe, que se sente atraída.

O episódio seguinte, de José Luis Egea, explicita-nos a proposta dessa obra curiosa, produzida por Elías Querejeta: na velha Espanha rural de senhores armados e capangas a cavalo, a invasão e o estranho desejo pelo outro novamente ganham espaço. Se Guerin fala de traços permanentes de uma sociedade violenta, a ocultar cadáveres e, supomos, inventar versões para um “acidente”, Egea retorna à nação de matadores à luz do dia.

Ao homem que se deixa inspirar pelos animais, e não tem vergonha de dizer: diferente de Carlos, o racional pai de família, Germán (Alfredo Mayo) fala para a nova e jovem amante sobre a voracidade sexual bovina, dada no pasto, boi atrás das vacas, naturalidade de um ritual diário que soa estranho para pessoas de fora.

Em seu território, o velho homem mantém a esposa sob seus domínios e tem seu casebre, na mesma propriedade, para se deitar com amantes. Quem oferece a jovem é seu companheiro, ou amigo, outro recém-chegado, outro invasor, vivido pelo mesmo Selmier. Quando acaba a gasolina do carro de Alan (Selmier), ele e Bonnie (Barbara Deist) buscam ajuda.

A liberdade e oportunismo de ambos chama a atenção de Germán: por uma quantidade considerada de dinheiro, ele poderá ter a bela moça nos braços. Com ela, sai a campo aberto, a cavalo; em sua casa, deixa Alan na companhia da esposa (Julia Gutiérrez Caba). Como no episódio anterior, trata-se de um jogo; diferente do episódio seguinte, do grande Víctor Erice, trata-se de um conflito geracional no qual o velho restitui-se, apela, destrói.

No último ato, Erice expõe o conflito no seio de uma nova geração igualmente sem ponto de partida e chegada, presa à velha cidade, na companhia de um macaco, e presa a si mesma. Qual a liberdade possível nessa Espanha ainda sob as forças de Franco, em uma cidade sem vida, de portas trancadas? O episódio derradeiro é um grito de desespero.

O mesmo Selmier, agora Charley, é de novo quem detona os problemas. Os homens são caçadores de porcos, voyeurs por natureza, invejosos, liberais, estranhos cujos sentimentos nunca descobriremos por completo. Erice confirma isso com grande acidez e, ao macaco, permite a saída, a sobrevivência a despeito dos racionais que não suportam os desafios que envolvem as estranhas relações humanas.

(Los desafíos, Claudio Guerín, José Luis Egea, Víctor Erice, 1969)

Nota: ★★★★☆

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

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